O filme de Miguel Faria Jr. evoca a sua figura, vida e obra, ao mesmo tempo que se constitui em homenagem. O trabalho documental mais propriamente dito de "Vinicius" surge alternado com interpretações de canções suas, por diferentes artistas, expressamente concebidas para o filme. É o seu lado mais fraco - não porque as canções sejam más (claro que não são) ou porque as interpretações sejam medíocres (por regra não são) mas antes porque a entrada dos momentos musicais representa sempre uma quebra no ritmo do filme, um "enxerto", sem que "Vinicius" os saiba aproveitar de maneira verdadeiramente orgânica.
Mas essa também é a única debilidade evidente de um filme que, no resto, se não deixa de ser uma aplicação de um modelo limitado de documentário (o "televisivo/informativo", saltitando de depoimento em depoimento, de "clip" de arquivo em "clip" de arquivo"), é uma aplicação bastante eficaz e bastante viva. Aprende-se um pouco, não só sobre Vinicius de Moraes nem só sobre a cultura popular brasileira, mas também sobre o Brasil (e o Rio de Janeiro, em particular) em diversos momentos do século XX. E há, de facto, uma figura que vai emergindo ao longo, desenhada em fragmentos de natureza diversa (um pedaço de canção, um fotografia, um poema, uma frase que alguém diz), de maneira inteligente sem deixar de ser emocional.
Através desses materiais e dos depoimentos (para o que contribui muita gente célebre, Chico Buarque, Betânia, Caetano Veloso) "Vinicius" constrói-se em torno de uma espécie de "espanto" permanente - como se a improbabilidade do génio fosse sempre motivo de génio. No caso de Vinícius, homem de boas famílias encantado com os "bas fonds" do Rio, diplomata de carreira que escrevia poemas e canções e subia ao palco para as cantar, essa improbabilidade é a medida da sua singularidade, e de tudo o que não se explica. E "Vinicius" não explica tudo, deixa-se ficar pelo espanto em vez de insistir (como outros filmes de âmbito semelhante) na descoberta de uma "cena primitiva" ou, se preferirem, de um "rosebud". É uma das razões por que se simpatiza com "Vinicius". A outra é, claro, Vinicius, "flaneur" boémio, cultor de uma tristeza que tem sempre a esperança (vagamente eufórica) de um dia deixar de ser tristeza. "Vinicius", o filme, bebe desse espírito, e isso é bom.