Cavaco quer consensos partidários na justiça
O discurso da tomada de posse do Presidente, ocorrida a 9 de Março, foi aquele em que esse apelo foi lançado de forma mais explícita. Cavaco identificou a justiça como o terceiro desafio do seu mandato, sublinhando que "constitui responsabilidade inadiável das forças políticas gerar os consensos indispensáveis para se poder assegurar o funcionamento de um sistema de justiça eficaz".
Também o PS entende que deve haver um acordo com o PSD para a escolha do novo procurador-geral. Por isso, muitos socialistas reagiram mal às afirmações do primeiro-ministro proferidas durante uma entrevista emitida na SIC (14 de Julho). Os socialistas foram surpreendidos pelo tom convicto com que José Sócrates declarou que a proposta do sucessor de Souto Moura é uma matéria que somente "diz respeito ao Governo e ao Presidente da República". "A escolha do cargo é assunto que diz respeito ao Governo e ao Presidente da República, segundo as regras constitucionais. Sei qual é o meu dever e fá-lo-ei", disse.
O PÚBLICO apurou que as afirmações de Sócrates provocaram uma reacção imediata entre os socialistas, que, via sms, manifestaram o seu desacordo e descontentamento para com as palavras do chefe do Executivo. O facto de Sócrates entender que a escolha do novo procurador-geral da República é um tema a debater exclusivamente entre ele e Cavaco Silva causou espanto mesmo entre alguns membros do secretariado nacional do PS, que não adivinhavam as intenções do secretário-geral.
Socialistas defendem"tradição"Para alguns socialistas, Sócrates foi longe de mais ao restringir o perímetro da discussão ao Governo e a Belém. Neste âmbito, defendem que o primeiro-ministro deve dar continuidade à "tradição" de partilhar com o maior partido da oposição, o PSD, a proposta do sucessor de Souto Moura. A tese de que deve existir um consenso entre o Governo e os sociais-democratas sobre esta matéria justifica-se, argumentam os socialistas, pela inutilidade de criar focos de tensão entre os dois partidos.
Mas nem todos os socialistas acreditam que Sócrates recusará debater com o PSD a(s) proposta (s) para a Procuradoria-Geral da República. Um alto dirigente do PS ouvido pelo PÚBLICO defende que a reacção do PSD é extemporânea e que a partir de Setembro poderão vir a decorrer conversas entre socialistas e sociais-democratas com vista à escolha de um nome. Tal como aconteceu em 2000, quando o então ministro da Justiça, António Costa, conduziu o processo de articulação com o PSD, à época liderado por Marcelo Rebelo de Sousa.
O PÚBLICO tentou obter um comentário do primeiro-ministro sobre o tema, mas o seu assessor de imprensa, David Damião, afirmou que "o assunto ainda não está em cima da mesa".
PSD tranquilo, mas cautelosoA direcção do PSD disse ontem estar, para já, tranquila quanto à possibilidade de haver conversações entre o PS e os sociais-democratas com vista à nomeação do futuro procurador-geral da República, embora admita a possibilidade de o Governo não ouvir o maior partido da oposição.
"Entendemos que o Governo deve ouvir o PSD. Mas também admitimos a possibilidade de não o fazer. Mas manda o bom senso político e o sentido de Estado que uma personalidade como a do procurador-geral da República tenha à sua volta um determinado consenso. Até porque ficamos nós próprios, PSD, comprometidos [com a figura que venha a ser escolhida] e não vamos no mês seguinte desatar a criticar o procurador-geral, que assim se sentirá mais escudado", disse ontem Azevedo Soares, vice-presidente do PSD.
Questionado sobre o que, na festa do Pontal, o levara a levantar a hipótese de o PSD não ser ouvido, Azevedo Soares disse: "A proximidade do facto acontecer [a nomeação do procurador-geral] suscitou essa intervenção. Havia um comício, havia uma festa e uma oportunidade de um elemento da comissão permanente falar sobre um acontecimento político ao qual atribuímos a maior importância."
Refira-se que, reagindo às afirmações de Azevedo Soares no comício do Algarve, o porta-voz do PS, Vitalino Canas, esclareceu, citado pelo Diário de Notícias, que "não há nenhuma tradição, nem regra, que fale em consensos". Ao PÚBLICO o deputado socialista disse ontem estar "surpreendido" com a reacção do PSD, uma vez que, entende, ela revela "desrespeito pela posição do Presidente da República". "É ao Presidente da República que cabe nomear o procurador-geral. Essa tarefa não cabe aos partidos políticos", apontou. E reafirmou que o Governo "poderá ter uma atitude de cortesia para com os restantes partidos políticos", comunicando-lhes o nome do sucessor de Souto Moura.