Espanha: morte de tetraplégico relança debate sobre a eutanásia
"É muito difícil com estas limitações acabar com garantias de não passar por momentos de angústia, fica na consciência dos que impedem a legalização da eutanásia a carga de sofrimentos desnecessários", escreveu com os lábios Jorge León Escudero, através de um mecanismo que colocava na cabeça. No seu blogue, utilizava o pseudónimo Lucas S. Foi a última missiva: dois dias depois, quinta-feira 4 de Maio, às oito da manhã, Jorge León, de 53 anos, foi encontrado morto na cadeira de rodas.
Junto ao corpo de León Escudero, enfermeiro, escultor, apaixonado de espeleologia, estava um copo vazio. Só a análise toxicológica e os resultados da autópsia permitirão saber o que ingeriu para suavizar o sofrimento quando alguém o desligou do aparelho de respiração assistida. Há seis anos, quando praticava ginástica em casa, uma queda partiu-lhe o pescoço: para além de não mexer pernas e braços, não respirava pelos seus próprios meios.
"Sou um exemplo da vida artificial, sem o respirador asfixiaria lentamente", escreveu em Março, quando a sua saúde se agravou. "Na última vez que o visitei, em Abril, falou-me em tom de despedida, disse-me que estava no limite, com muitas dores nas pernas e que tomava morfina", relatou Margarita Espuña, escritora, antropóloga e amiga de Jorge. "À paralisação irreversível juntam-se infecções cíclicas [...] o que me provoca indesejáveis sofrimentos físicos e psíquicos, necessito uma mão hábil que suplante a minha mão inútil, uma mão que actue segundo a minha vontade ainda livre", pedira.
Não foi a primeira vez que Jorge pediu o fim da vida. "O que vivi foi tão intenso e tão físico, que estar nestas condições é um redução indigna", lamentava. O seu quotidiano era marcado pela passagem da cama para a cadeira de rodas, através de um pequeno guindaste. E os dias passados a olhar para uma janela da sua casa de Valladolid. "Quero morrer tranquilo e em casa, só ou em companhia de alguém especial", pedia.
"Que não o julguem"De acordo com os investigadores, por três vezes quiseram ajudá-lo. Leitores do seu drama na Internet ou alertados pela dura carta que enviou a vários jornais. "A vida e a morte não podem considerar-se dois estados alheios entre si e incompatíveis", escreveu aos directores de diversos diários. Com um desafio a médicos e legisladores: o "de aceitarem a capacidade de uma vontade livre, consciente e respeitosa socialmente de cada um de nós decidir sobre a nossa morte, um direito tão fundamental como o de viver a nossa própria vida". E um apelo: "Está tudo preparado para quem me ajude ficar incógnito."
A família publicou uma mensagem: "Que não se persiga a mão que aproximou um copo a uma boca sedenta de liberdade, de dignidade e de paz." Os familiares pedem respeito pela memória de Jorge: "Que não o julguem, não o condenem, que não manipulem a sua morte nem a sua vida."
O drama de Jorge Escudero trouxe, de novo, para a ribalta o tratamento legal da eutanásia. No programa com que os socialistas ganharam as eleições de 14 de Março de 2004, era referida a constituição de uma comissão parlamentar para debater sobre o direito à eutanásia, a uma morte digna e de receber cuidados paliativos. Passados dois anos, o Executivo socialista diz que não está no horizonte da legislatura alterar a actual lei.
Por agora, o Código Penal espanhol castiga com penas de dois a cinco anos quem "coopere com actos necessários no suicídio de uma pessoa". A sanção é elevada para seis a dez anos, "se a cooperação chegar ao ponto de executar a morte".