Telefonemas de altas figuras do Estado juntos por engano

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O insólito incidente motivou o Presidente da República a fazer uma comunicação ao país, exigindo a realização de um inquérito urgente e dando conta de que seriam retiradas todas as consequências. O fantasma da eventual demissão de Souto Moura voltou a pairar, tal o tom grave assumido pelo Presidente da República, que se via pela segunda vez envolvido no processo da Casa Pia, desta feita com a junção aos autos de algumas dezenas de telefonemas feitos a partir da sua casa de férias, em Sintra.

No dia 1 de Janeiro de 2004, Sampaio também tinha sabido pelos jornais que os procuradores tinham anexado ao processo uma denúncia anónima envolvendo-o a si e a outras personalidades, em alegados abusos sexuais de menores.

A gravidade da situação conhecida ontem levou Jorge Sampaio a receber numa breve audiência o procurador-geral da República, José Souto Moura. O PGR entrou mudo e, à saída de Belém, prometeu a abertura de um inquérito para apuramento de responsabilidades, relativamente a uma situação que durante algumas horas adensou ainda mais o clima de suspeição sobre alegadas violações da reserva da intimidade, através de transcrições de diálogos escutados em inquéritos sem qualquer ligação com as investigações. Um tema que, na próxima terça-feira, vai motivar até uma audição parlamentar do PGR, altura em que este incidente deverá também ser escalpelizado.

A notícia da junção ao processo da Casa Pia da facturação detalhada, de cerca de cinco meses, dos interlocutores de 207 individualidades agitou a classe política e foi ontem tema de capa do jornal 24 Horas. O matutino referiu uma listagem de 80 mil telefonemas, anexos ao processo. Choveram as reacções dos mais variados quadrantes políticos, reclamando o cabal esclarecimento da situação. A meio da tarde, a PGR emitiu um comunicado desmentindo ter pedido informação sobre aqueles números, enquanto garantia que o inquérito, para apurar o sucedido, seria célere. Anunciava ainda a intenção de proceder criminalmente contra os jornalistas do 24 Horas.

Na origem desta situação esteve o envio da informação prestada pela PT. Estava em causa a facturação detalhada do ex-deputado Paulo Pedroso, então arguido, mas que à data dos factos em investigação exercia funções governativas e cujo telefone era pago pelo Estado. “Em 2003, o nosso sistema informático tinha essa fragilidade. Quando pedíamos informação sobre um número, ele gerava dados sobre o cliente. Nunca havia problemas porque os tribunais nos pediam os registos em papel. Neste processo, foi a primeira vez que um juiz exigiu os registos informáticos, o que levou a que fossem disponibilizados outros números do mesmo cliente”, disse ao PÚBLICO um porta-voz da PT. Daí o facto de terem sido enviados os registos telefónicos efectuados por outros números igualmente pagos pelo Estado.

A empresa, em comunicado, também assumiu ter chegado à mesma conclusão, após um rápido apuramento dos factos: “Após averiguação preliminar entretanto já realizada, a PT apurou que a informação foi prestada relativamente aos números solicitados, tendo sido ocultada por um filtro informático os restantes dados referentes a outros números do mesmo cliente – cuja identidade é sempre desconhecida pelos serviços. O sistema informático gera a informação agregada por cliente e não por número da linha de rede. Esta informação foi entregue ao Tribunal de Instrução Criminal em Junho de 2003”.

Filtros escondiam listagens

A notícia do 24 Horas, divulgada na madrugada de ontem por diversas rádios, levou o presidente da República a convocar o procurador-geral para o início da manhã. Jorge Sampaio e Souto Moura encontraram-se, tendo sido de imediato anunciado que seria aberto um inquérito rigoroso.

Segundo o PÚBLICO apurou, o que está em causa neste processo é que os ditos ficheiros têm um filtro que não permite que sejam imediantamente visíveis.

Ou seja, nunca será possível demonstrar que o Ministério Público sabia da existência destes números na listagem, nem sequer que conhecia o procedimento para que fossem levantados os ditos filtros.

A listagem faz assim parte do anexo D, composto por três caixas, sendo que o envelope nove, com 15 ficheiros pequenos e cinco grandes, é onde estão guardadas as listagens referentes ao número da casa de Paulo Pedroso.

Significa então que para além das folhas iniciais de ficheiros de Excel, acessíveis a quem abre o programa e onde só consta efectivamente o número do telefone fixo de ex-deputado socialista, existe outra informação que se encontra filtrada. É então aí que estão “escondidos” todos os registos telefónicos envolvendo individualidades como Jorge Sampaio, Souto Moura, Mária Soares ou Almeida Santos.

No entanto, alguma informação que suporta o envio desses registos continua sem fazer sentido. Por exemplo, existe um documento no processo, assinado por Maria de Lurdes Cunha, funcionária da PT, que dá conta do envio das disquetes, explicando que tal seria para satisfazer “o prometido na reunião no DIAP”, no dia 29 de Abril de 2003. O que foi combinado na mesma reunião é que é um mistério. Não existe nenhum registo desse encontro nas milhares de folhas que constam nos autos. Também João Pedroso, irmão do ex-deputado, estranha a explicação adiantada ontem pela PT: “O meu irmão deixou o Governo em 5 de Abril de 2002 e em Maio de 2003, quando o Ministério Público solicitou a facturação detalhada, já não tinha telefone do Estado há mais um ano”. Além disso, acrescentou, Paulo Pedroso nunca telefonou à esmagadora maioria das 207 pessoas cujas listagens telefónicas foram juntas aos autos. (Ver destaque do PÚBLICO de hoje)

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