9 canções a última tanga em londres

Michael Winterbottom é um cineasta que tem, desde há muito, uma queda para o estardalhaço e para o oportunismo - "Welcome to Sarajevo", evocação da guerra na Bósnia, e "In This World", sobre a viagem de um emigrante do Afeganistão pós-taliban para a Europa do pós-11 de Setembro, são exemplos que bastavam por si próprios (e consta que Winterbottom prepara um filme sobre Guantanamo, benza-o Deus). Em "9 Canções" troca a política pelos costumes, assunto menos melindroso mas "mediaticamente" irresistível, sobretudo se os costumes envolverem largas doses de sexo explícito - e lá temos, tipo livro Guinness dos recordes, "o filme britânico mais sexualmente explícito de sempre".

Em entrevistas, e de maneira que ou é muito cândida ou muito perversa (o leitor decida), Winterbottom justificou "Nove Canções" a partir de um problema teórico: perguntava-se ele por que razões a literatura abundava em descrições pormenorizadas de actos sexuais enquanto o cinema (fora do gueto do porno) fora sempre mais tímido na figuração dos mesmos actos. Não seremos nós a explicar a Winterbottom as múltiplas diferenças (ontológicas ou meramente práticas) entre um texto e uma imagem, ou genericamente entre cinema e literatura, mas aceitemos a bondade do dilema figurativo como motor para "Nove Canções": o encontro do cinema com o "sexo literário" (valha a verdade que até já ouvimos desculpas mais esfarrapadas para "softcores").

Palavras, palavras, como dizia o outro: o ridículo de "9 Canções" não tem resgate. Começamos na Antártida, onde um tipo inglês que lá está a fazer sabe-se lá o quê e porquê nos começa a narrar a história de uma relação que manteve durante um ano com uma rapariga americana - e "do que mais se lembra é da pele". "Flashback", então, para o concerto na Brixton Academy (com os Black Rebel Motorcycle Club) onde conheceu a dita rapariga, de onde se passa para uma cena de "pele" (a primeira), depois de novo para a Brixton Academy (ao longo do filme são nove concertos), novamente para a "pele" e por aí sucessivamente, com ocasionais regressos à Antártida onde o tipo continua a fazer sabe-se lá o quê.

No fundo, no fundo, e dito de maneira um bocado bruta, "9 Canções" é um filme sobre uma "dor de corno", que funde a nostalgia com o sexo (e obviamente que a Antártida está lá como, por exemplo, no final de "Disponível para Amar", de Wong Kar-wai, estavam os templos de Angkor Watt, sem querermos comparar os filmes). Mas mesmo essa "dor de corno" não passa de um pretexto, assim como as "nove canções" não passam de um complemento para o que verdadeiramente preocupa Winterbottom: mostrar os seus actores em actos sexuais "sem truques", uma e outra vez, sempre, sempre, sempre. Para chegar aonde? A lado nenhum: "9 Canções" está algures entre um "Último Tango em Paris" sem "zeitgeist" e um "Big Brother" com "zeitgeist" - não há o "vazio moral" do filme de Bernardo Bertolucci, mas há uma lógica (e uma prática) de "reality show" com pretensões de relevância "filosófica" ou "poética". A coisa piora porque Winterbottom não consegue ter verdadeiramente personagens, mas também não é capaz de ter apenas "corpos" - era suposto, acreditamos nós, haver aqui alguma angústia, algum "pathos", alguma expressão de uma "iminência da perda". Era suposto, em suma, que fizesse alguma diferença este rapaz e esta rapariga serem filmados enquanto têm relações sexuais e não enquanto se dedicassem, por exemplo, à jardinagem. Paradoxo: o "realismo" do filme joga contra ele, nunca nos conseguimos esquecer de que estamos a ver dois actores pagos para fazerem o que fazem (como num porno com menos "espectáculo"), sem que Winterbottom tenha a arte para transformar o filme no "documentário" da sua rodagem, ou seja, num filme sobre o trabalho (complicado, obviamente) e sobre a relação daqueles dois actores. As canções, claro, contribuem para dar o "ar do tempo" e para instigar a melancolia que não nasce onde devia nascer, e com boa vontade pode-se detectar nelas um "comentário" às situações do filme (mas isto também pode ser mero automatismo de um "efeito Kulechov"). Mas nem os Primal Scream nem os Franz Ferdinand podem evitar que isto seja muito pobre, muito ridículo (e nem falámos das coisas que as personagens dizem), muito feio - e muito maçador.

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