Máquina de detectar neutrinos pode permitir estudar o interior da Terra

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Um detector enterrado numa caverna é sensível a partículas subatómicas produzidas pela radioactividade natural DR

"Há muitas teorias sobre como é realmente o interior da Terra, que ainda é um assunto em aberto", comenta Giorgio Gratta, o físico da Universidade de Stanford (EUA) que coordenou a equipa de 87 investigadores de vários países que assina o trabalho sobre a detecção de geoneutrinos. "Essencialmente, só conhecemos a crosta do planeta. Temos muito poucos meios de diagnóstico. Podemos medir montanhas, estudar rochas da superfície da Terra. Podemos fazer buracos com alguns quilómetros de profundidade [12 é o recorde, e isto representa 1/500 do raio do planeta] e colher amostras. Mas simplesmente não temos acesso a zonas mais fundas, não podemos fazer análises ou saber que tipo de rochas lá existem", diz Gratta, citado num comunicado de imprensa da sua universidade.

A descoberta foi feita no observatório KamLand, que é um contador de cintilações que permite detectar antineutrinos vindos do interior da Terra. Trocando por miúdos: é um aparelho instalado no interior de uma caverna na ilha de Honxu, no Japão, que permite detectar neutrinos - umas misteriosas partículas fundamentais da matéria que constituem cerca de um quarto de todas as partículas subatómicas.

Mas os neutrinos quase não têm massa, e por isso praticamente não interagem com a matéria e são muito difíceis de detectar: atravessam os objectos sem os afectar, como fantasmas. Mas estão em todo o lado, vindos de todas as direcções. A cada segundo que passa, somos atravessados por um bilião de neutrinos provenientes do Sol, que passam por nós sem que os sintamos.

O Sol é um grande emissor de neutrinos, que são produzidos nas reacções de fusão nuclear que ocorrem no coração das estrelas, quando átomos de hidrogénio se fundem para criar outros elementos, libertando energia no processo. Mas todas as partículas fundamentais do Universo têm uma partícula que é o seu inverso, com carga eléctrica contrária, que se anulam mutuamente quando entram em contacto, libertando energia. Como seria de esperar, os antineutrinos são produzidos pelas reacções de fissão nuclear, em que os átomos se dividem nos seus constituintes, libertando também energia.

De olho nos momentos de aniquilação

Para tentarem detectar os fantasmagóricos neutrinos vindos do Sol, os cientistas construíram grandes máquinas sensíveis aos momentos de aniquilação que ocorrem quando eles se encontram com antineutrinos produzidos na Terra, pela desintegração radioactiva de elementos com o urânio e o tório.

É isso que se faz no detector KamLand, que na verdade é uma grande esfera com um balão meteorológico de 13 metros de diâmetro lá dentro, cheio de cintilador - um nome complicado para designar mil toneladas de uma sopa química. "Este cintilador é essencialmente uma mistura de óleo de bebé e benzeno, à qual se adiciona um material fluorescente. Quando as partículas interagem com este material, produzem um clarão que é registado por sensores de luz", explica Gratta. O detector de neutrinos está enterrado debaixo da terra para tentar eliminar a interferência dos raios cósmicos que bombardeiam o planeta.

Então e para que é que nos interessa detectar os antineutrinos produzidos na Terra? O calor produzido pela desintegração radioactiva é o motor da tectónica de placas - o movimento constante das placas oceânicas e terrestres, que dá origem aos vulcões, terramotos e até ao nascimento de montanhas. Conhecer as proporções de urânio e tório poderá permitir compreender melhor os processos geológicos da Terra, com repercussões importantes para a nossa vida ao cimo da crosta do planeta - uma casquinha que vai até uns 30 quilómetros de profundidade, no máximo, quando o núcleo sólido da Terra fica a uns 2900 quilómetros da profundidade.

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