Assessor de Rui Rio tem ordenado superior ao do Presidente da República
Embora a lei estabeleça que os ordenados para a administração pública, assim como os dos detentores de cargos públicos, são indexados ao vencimento do Presidente da República, que é actualmente de 6879,94 euros - o ordenado do primeiro-ministro é de 75 por cento daquele montante (5159,95 euros) e o dos presidentes das câmaras de Lisboa e Porto de 55 por cento (3793,87 euros) -, o certo é que o vencimento base que a autarquia portuense paga ao chefe de gabinete de Rui Rio é de 7242,84 euros.
No caso das autarquias, a questão da composição dos gabinetes dos presidentes de câmara está regulada pela Lei 169/99, que estabelece o quadro de competências e o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios, aí se prevendo que "a remuneração do chefe de gabinete de apoio pessoal nos municípios de Lisboa e Porto corresponde ao vencimento dos chefes de gabinete dos membros do Governo".
Conforme foi noticiado pelo PÚBLICO (edição da última quinta-feira), o vencimento base da chefe de gabinete do primeiro-ministro, Santana Lopes, é de 3376 euros, o que, mesmo sendo ligeiramente superior ao dos seus colegas nos restantes ministérios, fica ainda abaixo de metade daquele que é processado pela Câmara do Porto a Manuel Teixeira.
Ao que apurou o PÚBLICO, no município de Lisboa a chefe de gabinete do presidente Carmona Rodrigues, Gabriela Seara, recebe o que está previsto na lei, ou seja o mesmo que ganhava no Ministério das Obras Públicas, Transportes e Habitação donde transitou com o ex-ministro. Recorde-se que, ao contrário do que acontece com os titulares de cargos políticos ou com os assessores ministeriais, a lei impede os chefes de gabinete dos presidentes de câmara de beneficiar de quaisquer "gratificações ou abonos".
Confrontada com a situação, a Direcção Municipal de Recursos Humanos da Câmara do Porto informou que a autarquia "solicitou pareceres jurídicos, quer aos serviços jurídicos da câmara, quer a um reputado administrativista, professor da Universidade de Coimbra", concluindo que "o presidente da Câmara Municipal do Porto pode nomear livremente o seu chefe de gabinete" e que este "pode optar pela remuneração do seu lugar de origem, mesmo que exerça as funções em regime de requisição a um instituto público, a uma empresa pública ou a uma empresa privada". Manuel Teixeira, recorde-se, assumiu as funções de chefe de gabinete de Rui Rio em meados de Dezembro último, ocupando até então um cargo de gestor para a área dos media no Grupo Lusomundo/PT, onde exercia funções de administrador, "nomeadamente no Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF e Agência Lusa", como informou então o gabinete de imprensa da autarquia.
Vencimento é processado pela autarquiaAo que o PÚBLICO conseguiu apurar, Manuel Teixeira terá mesmo anuído em baixar ligeiramente os rendimentos que auferia no Grupo Lusomundo/PT, mas a sua situação parece divergir um pouco daquilo que se passa com outros assessores ministeriais ou até com o polémico caso do director-geral dos impostos requisitado ao BCP. É que embora todos tenham optado pelos vencimentos de origem, estes continuam a ser processados por essas entidades, que são depois compensadas pelos respectivos organismos públicos. Um estratagema que parece ter como finalidade contornar a impossibilidade da administração pública de processar ordenados superiores aos previstos na lei. Ora, segundo apurou o PÚBLICO, no caso de Manuel Teixeira o vencimento é processado pelos serviços da própria autarquia, o que pode levantar dúvidas quanto ao respectivo enquadramento legal. Um procedimento que, no entanto, não está a ser seguido em relação a outros assessores de Rui Rio, que continuam com vencimentos a cargo das entidades às quais foram requisitados.
Do ponto de vista político, a situação parece ser também pouco confortável, tanto para os responsáveis autárquicos como para os dirigentes do PSD, já que o próprio Rui Rio desde sempre assumiu um discurso de moralização dos gastos públicos e de férreo controle de despesas, que parece contrastar com a solução adoptada para o seu gabinete. Sinal disso é o alegado isolamento a que Rui Rio e Manuel Teixeira se têm remetido no seio da estrutura autárquica, de que será exemplo o recente afastamento de Mário Jorge Rebelo, um dirigente social-democrata que decidiu trocar o lugar de assessor de Rio por idêntico posto na Secretaria de Estado da Juventude.
Também do ponto de vista constitucional da questão da requisição parece levantar forte dúvidas, tal como se expressou Vital Moreira a propósito da contratação do director-geral dos impostos. Para o conhecido constitucionalista, este tipo de contratação representa "um cambalacho sem o mínimo fundamento legal", considerando mesmo que não havendo nenhum interessado em "impugnar a legalidade do acto" caberá apenas ao Ministério Público fazê-lo e ao Tribunal de Contas apurar a necessária responsabilidade financeira". Na altura, também o professor Jorge Miranda se pronunciou contra este tipo de contratações. Invocando questões de princípio, o constitucionalista disse ser contra a possibilidade de alguém ser "requisitado pelo Estado e passar a receber um ordenado superior ao praticado na administração pública".