O que diz o despacho do Ministério da Saúde? O documento assinado, há uma semana, por Luís Filipe Pereira prevê "a referenciação de doentes de oncologia pediátrica" para o IPO a partir de hoje. E determina que "a eventual transferência dos doentes" do Hospital de S. João, no Porto, deve ser "acompanhada dos respectivos processos clínicos em condições que garantam a sua confidencialidade". Os médicos que queiram "voluntariamente" continuar a "exercer a sua actividade" no IPO poderão fazê-lo, uma vez que está assegurada pela lei a concessão de uma licença sem vencimento. O despacho ministerial justifica assim a decisão de fundir a pediatria oncológica no IPO: o instituto tem "melhores condições técnicas e de instalações" não só para as crianças, mas também para os seus pais e está dotado de um "corpo clínico altamente qualificado". Também consta neste papel que "o conteúdo do parecer do Conselho Nacional de Oncologia emitido em Outubro passado" aconselhou "por unanimidade a concentração desta valência pediátrica no IPO. |
Oncologia pediátrica concentrada no IPO a partir de hoje
O documento, contudo, está longe de colocar uma pedra sobre a polémica questão da fusão das pediatrias oncológicas. Os pais das crianças em tratamento no Hospital de São João (HSJ) prometem "não ficar sossegados". E temem que os médicos desta unidade aceitem a transferência para o IPO.
O despacho ministerial prevê que os médicos pediatras com especialização em oncologia poderão, se quiserem, sair do HSJ e continuar a exercer a sua actividade no IPO. Para o efeito, ser-lhes-á prontamente concedida uma licença sem vencimento. Para receber os casos do Norte do país, o IPO precisa reforçar em dois elementos a sua equipa de 8 pediatras. Assim será possível assegurar permanência de, pelo menos um profissional, 24 horas por dia.
Artur Osório, director do IPO, garantiu ao PÚBLICO que a transferência de dois especialistas do HSJ para o instituto "está quase certa". No entanto, Álvaro Aguiar, director do serviço de pediatria do HSJ, assegurou que "ninguém da equipa se mostrou disponível" para a transferência. José Eduardo Guimarães, director do HSJ, também afirma "não ter conhecimento oficial" desta situação.
Se a passagem de quadros para o IPO acontecer, o serviço do HSJ perderá metade da sua equipa. "Nós somos quatro médicos. As pessoas que tomarem esta decisão depois terão de arcar com as consequências", alertou Álvaro Aguiar. O aviso prende-se com o facto de muitas crianças que estão em tratamento no HSJ não desejarem mudar nem de médicos, nem de instalações. Os seus responsáveis formaram, em Março deste ano, um grupo chamado Movimento para a Oncologia Pediátrica Integrada (MOPI), que rejeita a fusão no IPO. Luís Filipe Pereira, na altura, prometeu que nenhum paciente seria obrigado a mudar para o IPO.
No entanto, com a hipótese da transferência de médicos para o IPO, os pais temem que os seus filhos fiquem prejudicados. É o que garante a mãe de uma menina de 9 anos, que não quis ser identificada. "O Ministério da Saúde está a obrigar-nos a sair daqui de forma desonesta", diz, referindo-se à redução da equipa no HSJ. Na sua opinião, o facto dos novos casos serem todos encaminhados para o IPO faz com que os médicos "acabem por ceder", uma vez que "perceberão que a sua carreira está limitada" num serviço estanque. Ela garante ainda que o "MOPI não vai estar sossegado".
Álvaro Aguiar lembra ainda que "o IPO, por muito qualificado que seja, não tem condições de tratar determinados tipos de casos". O director de pediatria do HSJ refere-se, por exemplo, aos cuidados intensivos. Daí a sua filosofia de um serviço integrado e interdisciplinar, possível apenas num hospital central. Além disso, Álvaro Aguiar - que diz ser um dos dois únicos professores catedráticos de pediatria do país - lamenta que a sua opinião não tenha sido nem solicitada, nem levada em conta para a decisão do Ministério da Saúde.
Artur Osório, por sua vez, explica que o IPO vai estabelecer sinergias com o HSJ, cujas instalações são contíguas às do instituto. E sustentou ainda que, actualmente, este é modelo preconizado internacionalmente. "Precisámos muito do HSJ e querem aprofundar relações com os médicos de lá", disse o director do IPO, afastando a ideia de que "há uma guerra" entre as duas unidades. "Aqui não há vencedores, apenas uma racionalização de dinheiros públicos", concluiu.