Com a ressalva de agora a presença de Sandler ser suficiente para, pelo menos, um filme com ele não ser completamente anódino. E neste caso, entre os actores, até há mais razões para tal: com Sandler contracenam o "monstro" Jack Nicholson, Marisa Tomei, e em papéis secundários gente como John Turturro, Luís Guzman, Heather Graham, John C. Reilly e Woody Harrelson (para além de especialíssimas participações de Rudolph Giuliani e de John McEnroe). O mínimo (ou o máximo) que se pode dizer é que de facto Sandler parece ter sido capaz de constituir uma "persona" especial, e que essa "persona" até se ajusta que nem uma luva à personagem que este filme lhe oferece. Trata-se de alguém que se vê envolvido numa terapia de "anger management" (título original do filme), ou seja, de "controlo de fúria", sem que o próprio - a pacatez em pessoa - perceba as razões para tal. Nas mãos de um realizador mais sofisticado, as características mais subtis do argumento - toda a questão da "boa fúria" e da "má fúria", da fúria que se interioriza e da fúria que se exterioriza - talvez tivessem permitido um outro filme, mais consequente, e um melhor jogo com a ambiguidade natural da presença de Adam Sandler (mas provavelmente esse filme já feito, e foi mesmo "Punch Drunk Love"). O que sobra não é grande coisa para amostra: uma lição de vida, com momentos mais coloridos do que outros, mais bem conseguidos do que outros, antes de uns vinte minutos finais lamentáveis, em que tudo se resolve muito rapidamente e segundo os mais banais trâmites das mais banais comédias românticas (e retrospectivamente, nessa parte final, o filme explica que nunca quis ser outra coisa que não uma comédia romântica). Pode-se perguntar pelo confronto Nicholson/ Sandler. Pois pode, mas nem sequer há uma resposta a dar - nem chega a haver choque, tão diferentes são os registos de um e de outro, quase como se cada um estivesse a fazer o seu filme. Nicholson é o terapeuta excêntrico que invade a vida de Sandler e faz o seu número exuberante, cheio de gestos largos, expressões faciais de louco e frases debitadas com voz arrastada. Ou seja, Nicholson com rédea solta, o que equivale a dizer que conforme a disposição do espectador pode ser muito engraçado ou muito insuportável. Ao pé dele Sandler mantém a sua pose de permanente desconforto, tenta conciliar uma crispação de origem difusa com uns modos de "nonchalance" (é o conflito mais interessante da figura de Sandler), e faz bom uso daquele olhar que parece nunca se fixar em nada e estar sempre longínquo. Mais do que o número de Jack Nicholson, milhentas vezes visto e revisto, é por Adam Sandler que vale a pena, eventualemte, dar uma espreitadela a este pobrezinho "Terapia de Choque".
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