Portas "impôs" fim do imposto sobre sucessões e doações
A eliminação da tributação das heranças não faz parte do programa do Governo, nem sequer constituía um cavalo de batalha do PSD. Mas era uma promessa eleitoral do partido do ministro da Defesa
Os partidos da coligação relativizam o "negócio". O secretário-geral do CDS/PP, Mota Soares, afirmou que "não é uma coisa do CDS/PP, mas do Governo". Fonte oficial do Ministério das Finanças não confirmou, nem desmentiu e preferiu não fazer "qualquer comentário sobre as circunstâncias em que decorreu (e decorre ainda) o processo legislativo no âmbito do Governo". Um dirigente popular garantiu ao PÚBLICO que o fim do sucessório "sempre esteve na cabeça do primeiro-ministro".
Mas, na verdade, o programa do Governo ou o programa eleitoral do PSD não referem alguma reforma do imposto sucessório. E é o PP que está já a preparar já uma campanha a lançar junto das bases para "explicar às estruturas o alcance desta iniciativa, para que estas as expliquem depois nas suas zonas" e mostrar que esta era a bandeira do partido desde 1999. Os cartazes e os auto-colantes com o "slogan": "O Estado não é o seu herdeiro. Acabou o imposto sucessório. O seu braço direito CDS/PP ".
A velha reivindicação do PP, prometida nas eleições legislativas, vai, porém, ao arrepio do que se passa na Europa. Mesmo nos Estados Unidos um projecto semelhante da administração Bush foi rejeitado pelo Senado, por se considerar que estaria a dar vantagens às grandes fortunas.
O PP defende o seu fim como uma questão ideológica, cara ao centro-direita, para quem o Estado não tem de interferir, tributando, mesmo na morte dos contribuintes. Foi precisamente este o argumento alegado pelo primeiro-ministro na conferência de imprensa de um ano de balanço do Governo. Mas tecnicamente, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais - que, por acaso, em publicação já defendeu a continuidade do imposto - alega que o imposto é ineficaz e apenas tributa património imobiliário.
Fortunas privilegiadasA decisão de acabar com o ISD aparece no âmbito da reforma da tributação do património imobiliário, a discutir ainda pelo Parlamento para entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2004. A par da redução de taxas da tributação sobre as transmissões de imóveis (antecipada para Maio próximo) e sobre a próprio posse desses imóveis, o Governo criou um mecanismo de tributação mínimo, para combater a habitual subavaliação dos valores de venda. Esse mecanismo é feito através de uma avaliação com base em ponderadores designadamente de área, localidade, idade, cujo resultado será automaticamente imputado aos proveitos do vendedor.
O ISD tributa, como o próprio nome indica, acréscimos patrimoniais supostamente a título gratuito e que não são tributados pelos impostos pessoais sobre o rendimento. A sua base tributável tem, contudo, sofrido a erosão própria daquilo a que se denomina a desmaterialização da riqueza. O exemplo clássico é a de um património que passa para uma sociedade, sediada em território "offshore", e que é transmitido através da venda da sociedade. E como a transmissão de bens mobiliários (títulos, acções, etc) escapa bem ao controlo da administração, tudo pode passar sem crivo oficial. Mas claro está que quanto maiores as fortunas, maiores os beneficiários do seu fim.
Tem sido essa dificuldade - a par da sua complexidade técnica, do peso administrativo muitas vezes sem resultados e de numerosas isenções - que torna este imposto pouco "rentável" para os cofres do Estado. Independentemente do seu interesse para a justiça social, isso leva os responsáveis políticos a torná-lo prescindível. Cobraram-se, em 2002, um pouco mais de 97 milhões de euros (apenas 0,3 por cento das receitas fiscais globais). Com o fim do ISD, o Estado perde esta receita mas pode vir a recuperá-la no IRS, de acordo com cálculos do advogado Manuel Torres do Advogado.