Na primeira categoria, poderíamos apontar "Out of Sight", mas sobretudo "Erin Brockovich", que deu o Óscar de melhor actriz a Julia Roberts, e "Traffic", gigantesco fresco sobre a droga, com Michael Douglas, Catherine Zeta-Jones ou Benicio del Toro, para além do vistoso e inteligente "Ocean's Eleven", "remake" de um velho êxito do "rat pack" de Sinatra, Dean Martin e seus pares, com George Clooney, Brad Pitt e "tutti quanti". Paralelamente, construía o estranhíssimo "Kafka", rodado em Praga com Jeremy Irons; e "O Falcão Inglês" encenava as memórias fragmentadas do passado numa pequena ficção em mosaico. "Vidas a Nu" pertence a esta família das pequenas narrativas desconjuntadas, embora as duas vertentes não possam isolar-se de forma estanque.
Rodado em apenas 18 dias, com elenco de luxo - Julia Roberts, Brad Pitt, David Duchovny, Blair Underwood ou Terence Stamp -, parece prosseguir as experiências de "Sexo, mentiras e vídeo", numa estratégia complexa do "filme dentro do filme" (... e assim sucessivamente), ou, como diz a propaganda oficial, "uma fita sobre fitas para pessoas que gostam de fitas".
Durante o espaço de um dia, as personagens, intérpretes de outras personagens, aguardam o aniversário de um amigo produtor, jogando paixões e fingimentos numa teia inextricável, que parece rimar com a experiência inicial de "Sexo...". Tudo começa com o genérico de um filme imaginário, imitando os vídeos familiares com a força do grão da imagem e a exposição de um quase indecifrável exercício de estilo.
Algures entre a reunião da sua família cinematográfica e o ensaio sobre os limites das formas fílmicas, "Vidas a Nu" apresenta várias intersecções, por um lado uma irrisória peça, "The Sound and The Führer" ("peça dentro dum filme, dentro dum filme, dentro dum filme?"), com uma figuração de Hitler, que faz lembrar o início de "Ser e Não Ser" de Lubitsch; por outro, a saga de Francesca (Julia Roberts), interrogando em "trompe l'oeil" as peripécias da construção da sua "persona" cinematográfica.
Trata-se de um filme de impulsos e de resquícios de outros universos, viajando por territórios reconhecíveis, Altman e Beckett, Godard e a sua própria história como renovador das formas. Há brincadeiras e citações de outras cenas de filmes (Terence Stamp repete no avião o seu diálogo de "The Limey"/"O Falcão Inglês"; Roberts "pasticha" a sua personagem de "O Dossier Pelicano"), há, sobretudo, a capacidade para ironizar com a seriedade de processos e com a noção de divertimento em cinema.
Fruto de um estatuto de artista, que a indústria acolheu e não consegui inteiramente digerir, mas também de um diminuto orçamento, que explica algumas irregularidades de imagem, "Vidas a Nu" aposta sobretudo na criação de uma atmosfera rarefeita e críptica.
O problema principal na recepção ao filme passa pela dificuldade que o espectador médio (o de "Traffic" ou de "Ocean's Eleven) terá de tirar prazer do fascinante labirinto que se vai construindo perante nós. Solução? Partilhar da inteligência do objecto e entregar-se apaixonadamente, como o faz Soderbergh, ao divertimento pelo divertimento, no cerne do cinema e dos seus enigmas.