Tropas portuguesas ajudaram Luanda a ganhar a guerra civil
Na luta que travou durante anos contra as forças militares da UNITA, João de Matos compara ainda a intervenção angolana nas guerras nos dois Congos a um "balão de oxigénio que arrancou as FAA do estado pré-comatoso em que se encontravam".
Foi João de Matos o comandante da ofensiva governamental que levou à conquista dos bastiões da UNITA no Planalto Central, em Outubro de 1999, sem no entanto capturar Jonas Savimbi. General no activo, da confiança dos Estados Unidos, preside actualmente ao recém-criado Centro de Estudos Estratégicos de Angola, e surge como um dos possíveis candidatos à liderança do MPLA, no caso de uma retirada de José Eduardo dos Santos.
Voltando atrás no tempo, em pleno conflito logo após as fracassadas eleições de 1992 e o fim dos acordos de Bicesse, João de Matos descreve agora ocasiões em que "a situação era angustiante", com "momentos de pânico e desorientação" entre as forças governamentais.
No seu artigo na "Política Internacional", João de Matos escreve que "o poder do MPLA, legitimado pelo voto popular, estava em perigo e a capacidade de resistência parecia próxima do fim". E reconhece que o avanço da UNITA "parecia irresístivel", depois de esta ter ocupado em poucos meses "mais de metade do país", em resultado de uma situação em que as "Forças Armadas careciam de tudo: meios humanos e materiais, equipamentos".
Neste contexto, a cooperação técnico-militar portuguesa no plano da formação de comandos contribuiu para a rápida viragem da situação de desvantagem das tropas governamentais no terreno, considera João de Matos, naquele que é o primeiro reconhecimento público de um papel não directo, mas decisivo, dos militares portugueses, no conflito em Angola.
"Os militares portugueses (comandos) contribuíram sem vacilações na formação das primeiras unidades de intervenção que permitiram manobrar nas profundidades das linhas inimigas e ganhar as guerras quer no interior quer no exterior do país," escreve.
A balança passou a inclinar-se "decididamente para o lado do Governo", na chamada "nova guerra" antes das negociações com a UNITA em 1994 em Lusaca.
Da guerra convencional à de guerrilhaNo fim de 1998, com o segundo recomeço do conflito, ou "terceira guerra", a formação e o apetrechamento de novas unidades, bem como uma visão diferente sobre a condução da guerra voltariam a ser determinantes. Portugal não é aqui mencionado. Mas nesta fase, no quadro da cooperação técnico-militar portuguesa, a formação de comandos centrou-se na adaptação a um novo tipo de situação, com a passagem de uma guerra convencional a uma guerra de guerrilha, depois da perda pela UNITA das suas bases do Bailundo e Andulo, em 1999.
Entre estas duas datas - 1994 e 1998 - que marcam a "nova guerra" e a "terceira guerra" em Angola, a intervenção militar angolana nas guerras civis nos dois Congos, viria a ajudar internamente as FAA numa altura de desmotivação e desmoralização das suas tropas. O general João de Matos compara a participação de Angola nas guerras do Congo-Brazzaville e Congo-Kinshasa -ß nunca bem vista pela sociedade civil angolana e nunca levada a discussão na Assembleia Nacional - a um "balão de oxigénio que arrancou as FAA do estado pré-comatoso em que se encontravam".
Numa mensagem à classe política que nem sempre compreendeu "o exercício da condução da guerra", o general responde a acusações e justifica a opção belicista não como a via para uma "promoção e enriquecimento fácil" dos militares, mas como a única solução para um conflito no qual pairava a ameaça real de uma ofensiva da UNITA a Luanda, na terceira e última guerra em Angola.