O Karaoke da Obscenidade

O "gel para o cabelo" em "Doidos por Mary" (1998), dos Farrelly? Pois bem, em "A coisa mais doce" o esperma já está seco - literalmente. Agora eleva-se a fasquia. É uma das maneiras de olhar para o filme de Roger Kumble: como um karaoke da obscenidade, a ver quem canta melhor.

Há uma zona do cinema americano - as comédias juvenis masculinas, "American Pie" (1999), "American Pie 2" (2001), "Dude where's my car?" (2000) ou a série "Scary Movie" - onde a vulgaridade e a futilidade não escondem as batalhas, mais decisivas, que se travam com as convenções, em relação sexos ou ao que é (já não é) considerado obsceno. Como se, na sua alarvidade, esses filmes fossem zonas de impacto sísmico, onde estivessem evidentes os sinais de desafios feitos á chamada "cultura dominante": por exemplo, os efeitos das lutas dos movimentos feministas e homossexuais americanos. "A coisa mais doce" junta-se a esse grupo de filmes; agora, um filme "de raparigas". Não se vai ao ponto de dizer que estas comédias têm a consciência de um programa social ou cultural. São muitas vezes "lixo" puro; e tão progressistas quanto reaccionárias. Mas a ambivalência é que é interessante.

É a história de um grupo de estouvadas que desistiram do duradouro Mr. Right e contentam-se com o transitório Mr. Right Now. Está-se a ver o que acontece: o Príncipe Encantado afinal existe, o que é preciso é as meninas passarem por humilhações para lá chegarem. "Lá" é a submissão; até lá é corrida de estafetas para a conquista da taça do (dito) "mau gosto". Basicamente, é uma comédia romântica, embora a argumentista (Nancy M. Pimentel, uma das escribas da série "South Park") tenha feito tudo para mostrar, sobretudo, a vontade (demasiado óbvia) de cometer patifarias.

Vamos ser obscenos? O esperma está seco, agora canta-se com a boca cheia (é mais do que uma violação das boas maneiras: há um "piercing" colocado em zona de risco, uma língua que ficou presa e o resto, mesmo no enquadramento, não deixa trabalho á imaginação...). O desejo de transgressão é tão óbvio que chega a ser infantil, mas essa é a "lata" do filme. Não podemos deixar de perguntar: como é que os deixaram fazer, em pleno "mainstream"?. E é essa a "lata" da "estrela", Cameron Diaz.

Eis um caso singular: um corpo (de actriz) que é quase um sub-género (de filmes). "A coisa mais doce" mistura "Doidos por Mary" com "Os Anjos de Charlie" (sem estar ao nível deles) para ir atrás do "espírito Cameron Diaz": narcisismo solar, sexualidade descomplexada, que não recusa a humilhação porque não tem medo de perder a aura de ícone. Cameron é, a seu modo, um ideal de "americana" (não por acaso, veste um "soutien" com as cores da bandeira e envolve-se no mapa dos EUA). É claro que aqui já perdeu a inocência de explosões anteriores - por causa da cena de dança em "Os Anjos de Charlie", deixa que uma parte do seu corpo, o traseiro, tenha agora direito a "close ups" autónomos. Entrou na fase "exploitation". Acreditou no que escreveram sobre ela, isso acontece aos melhores...

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