Marcelo pressiona Governo a não reconduzir chefe do Estado-Maior do Exército
Quando todas as atenções estão centradas na recondução, ou não, de Joana Marques Vidal, o Presidente recorda que primeiro ainda tem de tomar uma decisão sobre as chefias militares.
O Presidente da República decidiu esta sexta-feira trazer para a praça pública o caso da recondução do actual chefe de Estado-Maior do Exército, que terá de ser decidida até Abril, numa altura em que a contestação ao general Rovisco Duarte está ao rubro. Depois de, no Porto, ser interrogado novamente sobre o mandato da PGR, o Presidente aproveitou a deixa para lembrar que há também outra discussão em cima da mesa: "Não há razão para nenhuma dramatização. A democracia é natural, as instituições funcionam, ainda há menos de um ano tomei uma decisão sobre a nomeação do presidente do Tribunal de Contas, vou tomar agora relativamente a chefias militares por proposta do Governo".
Ao associar a nomeação do procurador-geral da República à de chefias militares, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu sinalizar que não é só a substituição ou não de Joana Marques Vidal que pode ser um foco de desentendimento com o Governo. Em cima da mesa, a prazo, está também o caso de Rovisco Duarte, cujo mandato como Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) termina em Abril.
Ao que o PÚBLICO apurou, caso o Governo venha a defender a nomeação de Rovisco Duarte para novo mandato, o chefe de Estado afirmará a sua oposição à recondução do actual CEME.
Para o Presidente da República, o mistério de Tancos é um espinho nas relações com o executivo que, como comandante supremo das Forças Armadas, exige ver esclarecido “até às últimas consequências”, como tem dito repetidamente.
Estas declarações do Presidente ocorrem na véspera de um almoço de apoio ao comandante do regimento de comandos, coronel Pita Amorim, exonerado em Julho por Rovisco Duarte, sem qualquer justificação pública — um acto que gerou polémica e indignação entre os militares. A demissão ocorreu dias depois de Pita Amorim ter elogiado num discurso oficial, perante Rovisco Duarte, um dos operacionais do 25 de Novembro e braço direito de Jaime Neves, Victor Ribeiro, falecido em Março. Victor Ribeiro, cuja homenagem irritou o chefe de Estado-Maior do Exército, chegou a ser condecorado pelo Presidente da República, no hospital onde estava internado, com o grau de comendador da Ordem Infante D. Henrique, no dia 23 de Março, horas antes de morrer.
O almoço, que vai decorrer no Parque das Nações, reunirá dezenas de militares no activo e na reforma, como Carlos Jerónimo, antecessor de Rovisco Duarte que se demitiu por causa de declarações polémicas do director do Colégio Militar, ou Faria Menezes e José Calçada, que se demitiram em rota de colisão com o CEME por causa do caso de Tancos. Só haverá um discurso, o do mais antigo comandante do regimento de comandos, que incidirá sobre o "dever de tutela", ou seja, realçar a lealdade dos comandantes ao seu corpo de militares e a rejeição de politização.
"Não vai ser nenhum comício", afirmou ao PÚBLICO um general que vai estar no almoço, rejeitando que esta seja uma iniciativa de um grupo de militares de direita. "Não vai servir para divisões", vincou o mesmo oficial, que não gostou dos termos da entrevista de Tinoco Faria ao jornal i.
No Parlamento, o caso voltou à ribalta com a aprovação, na sexta-feira, de um requerimento do CDS-PP — aprovado com os votos do PSD e do BE — para instar o Ministério Público a confirmar se a lista do material de Tancos recuperado está em segredo de justiça, como alegou o Exército para não a entregar aos deputados. E na próxima semana, o ministro da Defesa volta a ser ouvido pelos deputados sobre o assunto.
Curiosamente, também Paulo Rangel se referiu ao chefe de Estado Maior do Exército esta sexta-feira, insistindo na necessidade de demissão de Rovisco Duarte, que já tinha defendido num artigo de opinião publicado em Agosto. Falando na Universidade de Verão do PSD, o eurodeputado considerou que se está a assistir ao “enxovalho das Forças Armadas” no mistério de Tancos.
“Não é o ministro da Defesa e o chefe do Estado Maior do Exército (CEME) quem têm de responder por isso? Podemos assistir a este desprestígio e este enxovalho público das Forças Armadas? Não podemos”, disse, considerando que o general Rovisco Duarte “tem de se demitir”.
Já em Agosto, Rangel tinha associado os dois assuntos — a substituição da procuradora-geral da República e a fragilidade de Rovisco Duarte —, a propósito da entrevista do primeiro-ministro ao Expresso: “Como pode vir advogar que, agora, a matéria de segurança e integridade de arsenais e paióis militares passou a ser assunto da competência do procurador-geral da República? […] Será que ele nos quer fazer acreditar que uma falha de segurança militar é afinal da responsabilidade do Ministério Público? Nem as Forças Armadas nem o Governo conseguiram esclarecer minimamente o que se passou, não tiram daí qualquer consequência; mas o primeiro-ministro não percebe como a procuradoria-geral demora um ano a investigar o tal ‘caso de polícia’”.
Mas Rovisco Duarte tem o apoio do Presidente para terminar o mandato com dignidade. Para ser reconduzido para um novo é que não.
É certo que a não recondução de Rovisco Duarte agradará à direita a quem também agradará o mais provável sucessor de Rovisco Duarte. O vice-CEME general Serafino, condecorado por Marcelo em Julho — num gesto que já tinha sido interpretado como um sinal de que o Presidente se prepara para não aceitar a recondução de Rovisco Duarte — foi um dos homens de confiança de Paulo Portas quando era ministro da Defesa, tendo chegado a ser director de Armamento.
Com a súbita demissão dos generais Faria Menezes e Calçada, em Julho do ano passado, Serafino tornou-se o general do Exército mais antigo. O novo curso para promoção a generais vai abrir no final deste ano e não haverá tempo até Abril para o Governo socialista ter disponível outro candidato ao cargo que tenha mais aceitação à esquerda.