Forças Armadas perderam este século 18,6% de efectivos
Um concurso para a GNR é, para os Estados-Maiores, o anúncio de uma sangria de voluntários. Novos incentivos e um contrato especial estão na calha.
O século XXI não tem sido favorável à tropa como, comummente, são apelidadas as Forças Armadas. Em 17 anos, desde 2000 a 2016, foi registada uma quebra total de 18,6% efectivos, com uma significativa baixa de um quinto dos voluntários e contratados face à diminuição de 17,2% verificada no quadro permanente. De acordo com os dados de efectivos das Forças Armadas em finais de 2016, a última estatística oficial a que o PÚBLICO teve acesso, os militares somavam um total de 28646 homens e mulheres, um número inferior à meta traçada pelo Governo (30 a 32 mil).
Atrair jovens para as Forças Armadas foi uma necessidade admitida durante a recente visita à Lituânia do ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, onde não excluiu um debate sobre o regresso do Serviço Militar Obrigatório (SMO). Renasceu assim a polémica. A nível imediato, já na próxima semana, há um novo pacote de incentivos.
“Devemos hoje ter entre 27 mil e 28 mil efectivos no total dos três ramos, com um défice de três mil no Exército, 600 na Marinha e outro tanto na Força Aérea”, prognostica Ângelo Correia, antigo membro da comissão parlamentar da NATO. Este cálculo parece ajustar-se à realidade. “Hoje somos menos de 28 mil”, corrobora o almirante Melo Gomes, ex-chefe do Estado-Maior da Marinha.
É preciso recuar até 2014 para encontrar efectivos nas balizas inscritas do programa 2020 do Governo de Pedro Passos Coelho, ou seja, entre 30 mil e 32 mil. Esta programação, dizem os críticos civis e militares daquela opção, nunca se materializou num modelo definido de Forças Armadas. Há três anos, quadro permanente, voluntários e contratados somavam 30732 vocações nas fileiras, dentro do intervalo previsto.
A queda registada neste século não é uniforme. As estatísticas anotam três picos diferenciados. Foi em 2000, que os afectos ao quadro permanente eram mais numerosos – 19484 –, descendo consecutivamente a partir de então. Em contrapartida, é em 2005 que o total de efectivos se aproximou da fasquia dos 40 mil, com 38246, o seu máximo nos últimos 17 anos.
Mas é em 2006, tempo de bonança económica e já depois de aprovado em 19 de Setembro de 2004 o fim do SMO, que voluntários e contratados atingiram o nível mais elevado desta série: eram 20543. O que torna impossível estabelecer relações de causa e efeito com o fim do SMO e a incorporação na tropa como forma de driblar o desemprego. A crise económica veio depois mas, aliás, nunca teve repercussões na subida da conscrição nas estatísticas da Defesa. Em definitivo, a vida militar não foi apelativa para tornear as dificuldades da existência.
“Até 2011, tínhamos dez incorporações por ano que criavam expectativa e um horizonte, mas no tempo do ministro Aguiar Branco [executivo de Passos Coelho] a decisão passou do Ministério da Defesa para o das Finanças”, lamenta o general Pinto Ramalho, antigo chefe do Estado-Maior do Exército. Neste caso, a mudança é detectada. Voluntários e contratados passaram de 16734 para pouco mais de 12,5 mil.
A falta de incentivos e de atracção teve efeitos perversos. Desde 2015, com o Governo de António Costa e em tempo de geringonça, nenhum dos três ramos conseguiu preencher as vagas abertas. Em três anos, de 2014 a 2016, há uma diminuição de 1336 militares em regime de voluntariado ou contratação, quando a queda entre os permanentes foi de pouco mais de 700.
Decisão no Conselho de Ministros
Por falta de dados do ano passado, não é possível confirmar esta percepção de Ângelo Correia: “Em finais de 2017, a oferta de voluntários reduz ainda mais devido a poucos incentivos e à melhoria das condições de vida.” Acresce a concorrência da oferta das forças de segurança. “Um militar na GNR ganha mais do que um contratado”, remata o ex-parlamentar (ver outro texto). Um concurso na GNR ou PSP equivale a uma sangria já esperada nos Estados-Maiores.
Atrair jovens para as Forças Armadas implica melhorar incentivos, que vão estar em análise na próxima quinta-feira no Conselho de Ministros. Em cima da mesa da Gomes Teixeira estão dois tipos de medidas, novo regulamento de incentivos e um registo de contrato especial.
Quotas garantidas nos infantários ou maior integração com outras carreiras da Função Pública são, entre outras, as novas ofertas governamentais para voluntários e contratados. Os ramos vão ter autonomia para estender os contratos dos actuais seis anos para os 18, pretendendo que no momento do adeus os efectivos estejam mais qualificados e possam abarcar em melhores condições as profissões associadas à carreira militar. Para tanto, quem entra nas fileiras tem de ter a sua profissão certificada e as Forças Armadas estão a proceder à formação com empresas e os padeiros da Marinha são cobiçados pelo Pingo Doce. Noutros países há exemplos deste tipo. A logística do El Corte Inglês foi beber à experiência do Exército espanhol.
O sucesso desta empreitada não está garantido. Após dois anos será feita a avaliação e ponderada uma solução. Sem SMO, aumentar o número de praças no quadro permanente e a sua remuneração para combater a concorrência das forças de segurança. Ou o regresso do SMO, mantendo o quadro de excepções, da responsabilidade familiar à objecção de consciência, mas sempre com a melhoria do estatuto dos praças.