Partidos divididos sobre discussão do serviço militar obrigatório

As declarações do ministro da Defesa e a revisão do regime de incentivos que está a ultimar voltam a colocar a discussão sobre o regresso da obrigação de ir à tropa em cima da mesa. Só o PCP o defende, e os outros partidos preferem discutir medidas para aumentar a participação nas Forças Armadas.

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o ministro Azeredo Lopes foi criticado pela JS LUSA/MÁRIO CRUZ

Não foi a primeira nem segunda vez e certamente não será a última, mas a insistência com que o ministro da Defesa vem fazendo referências à necessidade de se discutir a reintrodução do serviço militar obrigatório (SMO) levanta dúvidas sobre quando isso poderá de facto acontecer e com que intenção. Entre os partidos, as opiniões dividem-se entre a defesa do regresso do SMO feita pelo PCP, a "nega" redonda do Bloco, e a necessidade de se avaliar e estudar o reforço de incentivos para aumentar a entrada e permanência de militares nas Forças Armadas, como dizem PS e CDS. No PSD, não há uma posição formal do partido, mas há deputados na Comissão de Defesa que são pessoalmente a favor do SMO, que terminou em 2004.

Há semana e meia, de visita ao contingente de fuzileiros portugueses em missão da NATO na Lituânia, Azeredo Lopes considerou que o regresso do SMO é uma “ideia interessante, mas que só deve ser discutida depois de 2019. A questão do serviço militar – voluntário e não o obrigatório – deve voltar à agenda política em breve: o ministro Azeredo Lopes disse que o Conselho de Ministros irá analisar em Agosto novos incentivos para a fixação de militares, que incluem a extensão do tempo máximo dos contratos até aos 18 anos (agora são seis). O governante anda a prometer esse pacote de incentivos há pelo menos ano e meio. Mas muito mais haverá a fazer nessa matéria, avisam os partidos.

E é o PCP, defensor insistente do serviço militar obrigatório, quem considera ser preciso, além da sua reintrodução, repensar todo o sistema de incentivos das Forças Armadas (FA), porque os actuais “nitidamente não têm resultado”. Rui Fernandes, membro da Comissão Política do Comité Central do PCP, lembra que os salários são muito baixos (um recruta ganha 196 euros mensais, por exemplo) e que é preciso, “efectivamente”, promover a equivalência e a certificação dos cursos frequentados nas Forças Armadas com os civis, permitir formação aos militares antes de saírem das FA para se enquadrarem no mercado de trabalho, aumentar as compensações financeiras e materiais (como o fardamento, alimentação, transporte, pagamento de propinas e assistência na saúde). A que se soma a redefinição dos regimes de contrato: hoje podem ir até aos seis anos e isso “é como ter um precário de longa duração; não lhe dá segurança nenhuma”, classifica Rui Fernandes que acrescenta que os militares do quadro permanente também têm “condições salariais cada vez mais degradadas”.

O dirigente recorda que o partido se opôs ao fim do SMO, mas a reintrodução “não se faz num golpe de mágica” nem pode ser equacionada “numa visão instrumental,  porque se precisa de dez mil militares, porque é preciso combater o terrorismo ou fazer regressar os valores” da pátria. É preciso, diz, “com tempo”, estudar as “condições de logística e formação, identificar necessidades. Talvez demore mais tempo a repor do que levou a acabar com ele.”

No extremo oposto está o BE, cuja posição sobre as declarações de Azeredo Lopes se aproxima da do líder da Juventude Socialista que há uma semana criticou severamente o ministro da Defesa, por colocar em cima da mesa um tema que nem consta do programa de Governo. “A discussão do regresso do SMO não faz qualquer sentido, é um retrocesso que o Bloco de Esquerda rejeita liminarmente. Alguns países retomaram, mas isso são opções políticas que fazem parte dos jogos da NATO”, afirma ao PÚBLICO João Vasconcelos, o deputado coordenador do BE na Comissão de Defesa. Os bloquistas são contra participação de Portugal em missões da NATO, da União Europeia ou “de qualquer outro interesse que não o do próprio país”, e rejeitam também iniciativas como o Dia da Defesa Nacional.

João Vasconcelos defende, porém, ser preciso “melhorar os salários e as condições de trabalho dos militares”, garantindo, por exemplo, a sua reinserção na vida activa depois dos contratos. Ao mesmo tempo, seria benéfico dar mais condições aos militares para aumentar a sua colaboração com a protecção civil, como tem acontecido no combate aos incêndios, acrescenta o deputado eleito pelo Algarve.

O equilíbrio do PS

Fazer a defesa tanto das críticas da JS ao ministro como das declarações de Azeredo Lopes é um equilíbrio difícil, mas é isso que o deputado socialista Ascenso Simões consegue. “Ambos têm razão e não são incompatíveis”, diz, argumentando ser necessário “ponderar novas realidades de incorporação nas Forças Armadas, tendo em conta os desafios que se colocam à defesa conjunta”, como futuras missões internacionais que o ministro conhecerá, mas não se deve discutir isso já, porque a questão do SMO, como diz a Juventude Socialista, não está no programa de Governo nem houve qualquer discussão sobre isso no PS.

Salientando que lutou contra o SMO como dirigente da JS, Ascenso Simões admite que actualmente faz uma avaliação mais flexível da questão precisamente por causa da envolvente internacional e da grande redução que as FA portuguesas sofreram entretanto – embora considere que Portugal deve manter o seu cunho primeiro atlantista e só depois europeísta e, por isso, deve continuar a seguir essencialmente os preceitos da NATO. Mas também acredita que a questão deve ser analisada de uma “forma mais holística”, alargada ao serviço cívico universal, que não se fique pelo conceito militar das guerras tradicionais mas inclua a protecção civil, a vertente ambiental ou a cibernética.

Para o CDS, que em 1999 votou ao lado do PS pelo fim do SMO e que tem uma matriz securitária, antes de se falar do regresso da obrigação de ir à tropa é preciso “saber se o actual modelo de profissionalização das Forças Armadas está esgotado”. “Nós julgamos que não está. Lançar o tema do SMO para o ar é dizer que não há outra solução, é afastar o debate”, critica João Rebelo, o coordenador centrista na Comissão de Defesa. Embora também não veja o serviço militar obrigatório como “um bicho papão - até porque foi positivo a criar ligações muito fortes entre a sociedade civil e as Forças Armadas”. Lembra que, legalmente, para retomar o SMO, “basta um despacho do ministro da Defesa”, porque é uma competência legislativa do Governo”

Embora com posição diferente da do PCP, João Rebelo toca nos mesmos pontos dos incentivos e das carreiras para defender a necessidade de rever todo o sistema de profissionalização. Tal como deve ser repensado o Dia da Defesa Nacional (que convoca todos os jovens que perfizeram 18 anos), que “pode passar a ser um evento de mais do que um dia”, e também reequacionada a ligação entre a Defesa Nacional e as escolas. O deputado do CDS defende também a “militarização” da formação da PSP e da GNR, que deveriam ter um tronco comum de três anos iniciais nas Forças Armadas. “A ética militar, de serviço e segurança pública, assim como a disciplina e o respeito pela hierarquia são noções fundamentais”, vinca.

PSD sem posição oficial, mas com deputados a favor

O social-democrata José Matos Correia é bem mais directo. “Já era mais do que tempo de se reflectir seriamente sobre o serviço militar obrigatório, com o qual concordo plenamente”, diz o deputado, vincando falar por si e não pela bancada do PSD – porque há muito que o partido não discute o SMO e não tem, actualmente, uma posição concreta sobre o assunto. O deputado que integra a Comissão de Defesa, acrescenta que, “tendo em conta a situação internacional, a dificuldade crescente e dramática de recrutar jovens para as FA, e até o que outros países estão a fazer com o SMO, o mínimo que deve fazer um país integrado na NATO e que leve a sério as questões militares é reflectir”. Já o coordenador do PSD na comissão, o deputado Pedro Roque, que o PÚBLICO não conseguiu contactar, também se tem afirmado publicamente a favor do regresso do serviço militar obrigatório.

Matos Correia lembra que a maioria dos partidos defende a necessidade de investimento nas FA. “Mas de que me adianta ter armas modernas, se não tiver pessoas para lidar com elas”, replica. Apesar de Pedro Passos Coelho ter tido um papel importante como líder da JSD na discussão da redução do SMO e depois na sua eliminação, Matos Correia é da opinião de que o assunto deve ser discutido no Parlamento e que “é uma questão demasiado séria para ser deixada nas mãos das 'jotas', para que estas possam decidir” sobre os “interesses estratégicos” do país.

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