Kim oficializa tréguas e põe a bola no campo de Trump
O regime decretou o fim dos testes nucleares e balísticos, defendendo que já atingiu um patamar que lhe garante segurança. Trump elogiou o “grande progresso”.
Durante vários meses no ano passado, Pyunggye-ri passou de um nome complicado de pronunciar a sinónimo de ameaça. Era a partir de uma base neste local, no Norte, que o regime norte-coreano realizava a maior parte dos testes de mísseis balísticos e nucleares que assombraram o mundo e puseram a região à beira do conflito. Mas em mais uma reviravolta que o novo ano trouxe, Kim Jong-un decretou o fim dos lançamentos e o desmantelamento das instalações em Pyunggye-ri. Não se trata, porém, do enterro do programa nuclear norte-coreano.
A notícia surgiu depois da sessão plenária do comité central do Partido dos Trabalhadores, que governa a Coreia do Norte, que se reuniu a uma semana da cimeira entre Kim e o Presidente sul-coreano, Moon Jae-in. Em Washington, o Presidente dos EUA, Donald Trump – que também tem um encontro inédito marcado com Kim para o próximo mês – apressou-se a elogiar a decisão que disse ser um “grande progresso”.
Mas longe de se tratar de uma concessão feita por Kim, a suspensão dos testes de armamento nuclear deve ser encarada sobretudo como uma decisão estratégica e, avisam os analistas, não deve ser confundida com o início de uma desnuclearização.
A principal justificação dada por Kim é a de que o regime já alcançou o desenvolvimento nuclear que lhe garante uma segurança suficiente para abdicar de fazer mais testes. Desde que o programa nuclear foi iniciado, a Coreia do Norte testou seis bombas de diferentes dimensões e lançou dezenas de mísseis, incluindo intercontinentais.
Os especialistas continuam a manter muitas dúvidas quanto à real capacidade norte-coreana de conseguir atingir o território dos EUA, mas para efeitos de dissuasão de uma potencial ameaça basta haver uma incerteza.
Existe também a possibilidade de que o local dos testes em Pyunggye-ri possa estar danificado por causa do impacto das explosões dos testes do ano passado. “Um número razoável de túneis colapsou e é até possível que existam fugas radioactivas lá. Realisticamente é muito improvável que [o local] possa voltar a ser utilizado para testes nucleares”, disse à Bloomberg o professor de geofísica da Universidade de Yonsei em Seul, Hong Tae-kyung.
A pensar nas cimeiras
As jornadas diplomáticas que aguardam Kim também pesam para esta decisão. Na próxima sexta-feira, o líder norte-coreano vai encontrar-se com Moon e, semanas depois, irá sentar-se à mesa com Trump – naquela que será a primeira cimeira entre líderes dos dois países que ainda há poucos meses trocavam promessas de aniquilação.
O anúncio do fim dos testes balísticos e nucleares – que na prática já não eram feitos desde o final de Novembro – e a promessa de destruição das instalações onde ocorriam servem para garantir uma entrada positiva de Kim nas duas cimeiras. Mas não são uma concessão. Um dos principais efeitos é colocar os seus interlocutores na posição de terem de demonstrar alguma boa vontade para responderem à decisão de Pyongyang. Uma das prioridades do regime será obter algum tipo de alívio nas sanções económicas actualmente impostas pelo Conselho de Segurança da ONU.
“No fim de contas, aquilo que a Coreia do Norte perde por demolir as instalações de testes nucleares e apresentar uma moratória unilateral nos lançamentos de ICBM [mísseis de longo alcance] é totalmente tolerável comparado com aquilo que Kim ganha ao sentar-se com Trump”, resume o analista Ankit Panda, num texto na BBC.
Aquilo que os EUA e os seus aliados querem é o desmantelamento verificável do armamento nuclear e das instalações usadas para o seu fabrico, como lembrou o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, um dos líderes que mantém mais cautelas perante os esforços diplomáticos de Pyongyang. “O que importa é que tudo isto dê origem a uma desnuclearização completa e verificável”, afirmou.
Nas conclusões da sessão plenária não há qualquer referência às garantias dadas por Moon durante a semana de que Kim teria manifestado disponibilidade para aceitar iniciar um processo de desnuclearização sem qualquer condição, como a retirada militar dos EUA da península.