Checos divididos entre o admirador de Trump e o menino do coro
Os dois candidatos à segunda volta das presidenciais checas não podiam ser mais diferentes. Zeman vê a reeleição posta em causa por um académico pró-europeu.
A República Checa parte profundamente dividida para a segunda volta das eleições presidenciais - esta sexta-feira e sábado -, cuja importância vai mais além do que a mera escolha do chefe de Estado. Os dois candidatos oferecem visões diametralmente opostas acerca do futuro do país.
De um lado está o actual Presidente, Milos Zeman, que procura ser eleito para um segundo mandato e foi o candidato mais votado na primeira volta, com 38,6% dos votos. O político de 73 anos tem tentado aproximar a República Checa da Rússia, enquanto aponta o dedo à União Europeia por todos os males que atingem o país – desde a obrigação de receber refugiados aos baixos salários –, aproveitando uma onda eurocéptica que tem varrido a Europa Central.
Zeman foi também o único líder europeu a declarar abertamente o seu apoio a Donald Trump – que entretanto já o convidou para uma visita à Casa Branca. Ambos partilham a falta de receio em entrar em polémicas e em chocar aquilo que hoje é conhecido como “politicamente correcto”. “Ser politicamente correcto é dizer ‘terrorismo internacional’, mas coragem é dizer ‘terrorismo islâmico’”, afirmou Zeman há um ano numa entrevista ao Washington Post.
O seu adversário é o químico Jiri Drahos, de 68 anos, um produto da esfera intelectual e cosmopolita de Praga. Foi presidente da Academia de Ciências durante quase uma década e é um apaixonado pela música, tendo integrado várias bandas - canta há mais de quarenta anos no mesmo coro, diz a AFP.
Durante a campanha, Drahos disse ter deixado de fumar mal começou, aos 13 anos, para marcar a diferença em relação ao seu adversário, um fumador inveterado, crítico do estilo de vida ecológico que é hoje norma nas capitais europeias.
Na juventude, Drahos recusou inscrever-se no Partido Comunista e aproveitou uma bolsa para estudar durante um ano em Hanover, na Alemanha Ocidental, em 1985. Hoje, define-se como um “euro-atlanticista” e quer que a República Checa tenha uma “postura construtiva” no seio da União Europeia. Porém, tal como Zeman, recusa a política de quotas de distribuição de refugiados imposta por Bruxelas.
Ninguém arrisca prognósticos. As sondagens dos últimos dias apontam para um empate técnico entre os dois candidatos, lembrando o cenário das eleições presidenciais austríacas, no final de 2017 – os dois candidatos terminaram a segunda volta muito próximos e uma batalha judicial obrigou à repetição do voto.
Zeman foi o mais votado na primeira volta, mas Drahos tem subido nas intenções de voto, sobretudo depois de grande parte dos candidatos derrotados lhe terem dado o seu apoio.
Mas Zeman mantém uma grande base de apoio fora dos centros urbanos, onde a população é mais envelhecida e tem menos habilitações. O seu rival tem tentado afastar a imagem de um intelectual citadino e passou os últimos dias em campanha pelas zonas rurais, onde até aproveitou para rachar lenha.
A situação política checa é semelhante à que se verifica em países vizinhos, como a Hungria ou a Polónia, onde nos últimos anos chegaram ao poder governos com uma agenda fortemente anti-UE, beneficiando do descontentamento do eleitorado causado pelos efeitos da crise económica e, mais recentemente, da crise humanitária dos refugiados.
Apesar de o cargo presidencial ser sobretudo simbólico, o desfecho das eleições pode ter um impacto imediato no futuro do Governo checo. O primeiro-ministro, Andrej Babis, viu o seu Governo minoritário perder uma moção de censura no Parlamento, para além de lhe ter sido retirada a imunidade. Babis, um milionário dono de um grande império empresarial, é suspeito num caso de fraude que envolve o desvio de subsídios europeus.
O primeiro-ministro conta com o apoio de Zeman (ambos partilham uma agenda eurocéptica e anti-imigração). Mas uma vitória de Drahos – que já o aconselhou a afastar-se por considerar inadmissível que o chefe de Governo seja suspeito numa investigação policial – irá obrigá-lo a acelerar a formação de um novo Executivo, antes da tomada de posse do novo Presidente, a 8 de Março.