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Os populistas já estão aí e tornaram-se o novo normal

Na Áustria e na República Checa, as legislativas foram ganhas por políticos populistas, que piscam o olho à extrema-direita. A direita radical não vai desaparecer, dizem os analistas

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Andrej Babis, o milionário populista que ganhou as eleições na República Checa MARTIN DIVISEK/EPA

O ano eleitoral europeu começou com suspiros de alívio com as eleições na Holanda e França, onde a extrema-direita de Geert Wilders e Marine Le Pen ameaçava resultados extraordinários, num quadro em que o inesperado é o novo normal depois da eleição de Trump nos EUA e do Sim ao "Brexit". Mas esta satisfação generalizada com “a derrota do populismo” sofreu um sobressalto com a forte entrada da Alternativa para a Alemanha (AfD) no Bundestag, e a preocupação voltou com a vitória de um multimilionário populista na República Checa e uma provável entrada da extrema-direita no Governo da Áustria.

O alívio foi exagerado, dizem vários analistas. Mas as notícias da “viragem à direita” na República Checa e Áustria também: no fundo, os resultados na República Checa e na Áustria são o reflexo de “um novo normal” na Europa, assim como as eleições na Holanda não abriram uma era “pós-populismo”.

Depois do susto do ano anterior, os europeus acabaram por ir “demasiado para o lado da complacência”, disse a analista Heather Grabbe do Instituto Open Society em Bruxelas ao diário norte-americano The New York Times. Mas apesar da vitória de Emmanuel Macron em França, “os factores estruturais que levaram ao crescimento do populismo ainda continuam aí, especialmente os muitos eleitores que não se sentem representados pelos grandes partidos do centro-direita e esquerda”.

Por exemplo, se há uma característica marcante nas eleições na República Checa além da eleição de um multimilionário acusado de corrupção, esta foi a continuação de uma fragmentação política – há nove partidos no novo Parlamento, mais do que os sete nas eleições de 2013 e os cinco de 2010.

Expectativas variadas

“Há uma falsa crença de que os partidos grandes podem manter-se tão importantes como eram no passado em sociedades cada vez mais individualistas”, nota o analista do Council on Foreign Relations Piotr Buras ao PÚBLICO, numa entrevista telefónica. As pessoas têm expectativas muito diversificadas e um só partido “já não chega a 40% das expectativas”.

“Tornou-se claro que partidos como o FPÖ [extrema-direita austríaca] não ameaçam o sistema – mas são parte do sistema”, dizia o editor de política europeia do jornal Politico Matthew Karnitschnig.

Assim, “o que mudou mesmo é que estes partidos [populistas] são parte da paisagem política e não vão desaparecer tão depressa”, sublinha Buras. Isto deve-se, em sua opinião, a uma grande deslocação da divisão política: “já não é uma divisão entre direita e esquerda, mais assente em termos económicos, mas sim cultural, entre os que são a favor de sociedades abertas, globalização, europeização, que apoiam valores liberais e os que se opõem a estes valores.”

Por isso é que questões de imigração, identidade, e até União Europeia estão a vir para o centro é aqui que os populistas têm uma resposta muito semelhante: o regresso ao Estado-nação, anti-elite liberal, diz Buras.

Falhar no poder?

Uma ideia feita sobre os populistas é ainda que estes falham quando chegam ao Governo. Se este foi o caso em 2000-2005 com o executivo austríaco que incluiu o FPÖ sob a liderança de Jörg Haider na Áustria, há casos em que os populistas governam com sucesso. O caso mais óbvio é o da Hungria, em que Viktor Orbán governa sozinho, ou o do actual Governo da Polónia.

Outra incompreensão é achar que a sua retórica anti-sistema deixa de fazer sentido se chegarem ao poder. A apresentação anti-sistema é, de facto, uma ferramenta essencial do populismo, mas o erro é achar que o sistema é necessariamente o Governo: pode ser a elite liberal económica, podem ser os media liberais, etc.

Pode ser tentador ver a vitória de Kurz como um exemplo do que fazer para lidar com a extrema-direita: o líder do partido conservador adopta a mesma retórica. Na Alemanha surgiu logo o debate: a CDU devia deslocar-se para a direita e retirar espaço à AfD.

Mas esta resposta esbarra em dois problemas, nota Buras. O primeiro é a especificidade da Áustria, onde a extrema-direita é parte da paisagem política há décadas e o discurso é mais aceite do que seria na Alemanha. O segundo é que mesmo crescendo, o partido de Kurz não o fez às custas da extrema-direita, que não diminuiu.

Teóricos do populismo avisam frequentemente para o perigo de adoptar as propostas destes partidos para os tentar derrotar: o que acontece é que é precisamente assim que eles se mantêm relevantes.

Um dos académicos que se tem dedicado ao estudo e teorização do populismo, Jan Werner-Müller, professor na Universidade de Princeton (EUA) e autor do livro O que é o populismo (Ed. Texto), destaca o papel dos partidos de centro-direita na promoção das ideias dos populistas – mesmo que não se transformem eles próprios em partidos populistas (cuja marca é apresentarem-se como os autênticos, e únicos, representantes do povo, moralmente superiores às “elites corruptas”.

Werner-Müller lembra que quando os conservadores europeus colaboraram com partidos autoritários e fascistas, a democracia morreu, quando se mantiveram dentro das regras da democracia, esta fortaleceu-se. “Quem colaborar com os populistas, ou copiar as suas ideias, tem de ser responsabilizado.”

mguimaraes@publico.pt

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