“A nossa lei é a lei do nosso parlamento e a 1 de Outubro votaremos”
Centenas de milhares de pessoas juntaram-se no centro de Barcelona para defender o “sim” no referendo que os independentistas querem realizar contra a vontade de Madrid e da Justiça.
Não foi o “tsunami de Barcelona”, como a Diada que em 2012 juntou 1,6 a 2 milhões de pessoas sob o lema “Catalunha, o novo Estado da Europa”. Mas a multidão que saiu à rua na capital catalã chegou para funcionar como a demonstração de força que os dirigentes independentistas pediam à população, a 20 dias de um referendo que o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, convocou e que o Tribunal Constitucional já suspendeu.
Centenas de milhares de pessoas – mais de um milhão, segundo a Assembleia Nacional Catalã (ANC); cerca de um milhão, nas contas da Guarda Urbana – manifestaram-se no centro de Barcelona para defender o voto “sim” na consulta sobre a independência que o primeiro-ministro, Mariano Rajoy, garante que nunca se celebrará.
“Voltámos a ganhar a rua, apesar das ameaças”, afirmou o final dia, no palco dos discursos montado na praça da Catalunha, o actual presidente da ANC, Jordi Sànchez. Antes, agradecera a Puigdemont, a Carme Forcadell (presidente do parlamento catalão e sua antecessora na ANC) e aos grupos parlamentares da coligação Juntos pelo Sim e da CUP, que a semana passada aprovaram uma série de leis para tornar possível a consulta prevista para 1 de Outubro. “Obrigado, não nos falharam”, disse Sànchez.
“A nossa lei é a lei do nosso parlamento, a nossa obediência é ao nosso governo e a 1 de Outubro votaremos”, afirmou, sem deixar de retirar as consequências óbvias das suas palavras, apelando à desobediência à justiça espanhola. “Vamos declarar-nos insubmissos perante todos os tribunais e todas as leis que só procuram a indivisível unidade da pátria”.
“Diada do Sim”
Esta era a “Diada do Sim” e, como todos os anos, a ANC preparou uma forma de concentração diferente: o sinal da soma (+) criado nas ruas do bairro do Eixample (com o encontro de todas as filas a fazer-se na esquina na rua Aragó com o Passeig da Gràcia).
A partir de certa altura, por cima da cabeça dos manifestantes surgiram quatro lonas gigantes que saíam por cada um dos extremos da cruz: numa lia-se “Referendo é democracia” junto a uma urna enorme; noutra estava escrito “Paz e Liberdade” ao lado de uma pomba; nas restantes, escrevera-se a palavra “sim” em diferentes línguas. Um pouco depois juntava-se a esta coreografia uma gigantesca estelada, a bandeira de uma Catalunha independente.
Como nos últimos anos, a marcha oficial da Diada, o feriado nacional catalão, arrancou quando eram precisamente 17h14 em Espanha (uma hora a menos em Portugal continental). 1714, 11 de Setembro, o dia em que se celebra a capitulação da Catalunha (após um cerco de um ano a Barcelona) e a sua integração definitiva em Espanha, o dia que os catalães escolherem para celebrar a sua nunca alcançada “nação”.
Este ano, a ANC queria transmitir uma “mensagem positiva”, capaz de “somar todos” no caminho para um estado próprio – um objectivo difícil quando a Catalunha surge partida ao meio em relação à independência, como ao meio se partiu o parlamento, entre os 72 deputados independentistas que votaram as leis para fazer avançar o referendo e os restantes 63, membros de uma oposição que se descreve como vítima da maioria “que tomou por assalto a democracia catalã”.
Ainda o diálogo?
Seja como seja, Diada é sempre sinónimo de cor e de ambiente festivo e, como habitualmente, para além das esteladas e da farda oficial (este ano, a ANC escolheu vender T-shirts amarelo fosforescente), muitos trouxeram os seus próprios cartazes ou faixas e o humor não esteve ausente.
“Soraya dás-nos medo” (“Soraya no das miedo”), lia-se numa faixa em referência à vice-presidente do Governo de Rajoy, Soraya Sáenz de Santamaría, que na última quarta-feira, dia da aprovação da Lei do Referendo de Autodeterminação, dirigiu duras palavras à presidente do parlamento catalão. Durante o seu mandato a democracia morreu”, afirmou sobre Forcadell.
“Esta não é uma Diada qualquer”, dissera bem cedo o presidente da Generalitat. “Para nós não é uma opção que o referendo não se celebre”, afirmou Puigdemont. Mas o líder catalão também admitiu que continua a desejar um referendo negociado e não este que se prepara para fazer – em aberto desafio ao Estado.
Segundo Puigdemont, basta que o Governo central esteja disponível e os catalães continuam a querer conversar sobre uma eventual consulta acordada entre Barcelona e Madrid, algo que Rajoy sempre recusou por considerar qualquer referendo inconstitucional (e não admitir alterar a Constituição). Assumindo parte da culpa na ausência do desejado diálogo, Puigdemont imputou a Rajoy a responsabilidade principal, “por ser ele que não quer sentar-se à mesa para falar”.
Urnas e boletins
Pela mesma altura, diante da câmara municipal, falava a autarca Ada Colau, sem poupar ninguém nas críticas. “O governo Juntos pelo Sim tem pressa e estabeleceu um roteiro que deixa para trás metade do povo da Catalunha, isso não podemos permitir”, defendeu a ex-activista do movimento anti-despejos, eleita com o apoio do Podemos. Depois, dirigindo-se a Rajoy, prometeu que vai “respeitar a instituição” que dirige e “os trabalhadores públicos”, fazendo, ao mesmo tempo, “tudo o que for possível para que quem queira votar possa exercer o seu direito ao voto”.
Quem encerra a Diada é quem a convoca e a última palavra coube a Jordi Sánchez. “Obrigado pela solidariedade que recebemos”, disse o líder da ANC aos catalães ali reunidos. Sánchez quis despedir-se em tom irónico, lembrando os agentes da Guardia Civil que têm vigiado as gráficas onde se suspeita que estejam a ser impressos os boletins de voto para o referendo. “Sabemos onde estão as urnas e os boletins e sabemos onde as podeis encontrar. Só vou dizer isto uma vez: a 1 de Outubro apareçam em qualquer mesa de voto e vão encontrar urnas e boletins.”