A questão catalã é para levar a sério
Não se compreende bem é a ausência de debate sobre Espanha na sociedade portuguesa. A questão catalã veio para ficar.
Hoje, 11 de setembro, é previsível que centenas de milhares de catalães saiam às ruas como fazem todos os anos na jornada a que chamam “Diada”. Trata-se da comemoração de uma derrota: aquela que, em 1714, encerrou por séculos a questão da independência da Catalunha, no fim da Guerra da Sucessão espanhola.
O que poucos portugueses sabem é que essa data marca também o fim da intervenção de Portugal nas questões nacionais de Espanha. Sim, nessa guerra em que Portugal participou aliado à Áustria (que apoiava, na prática, a secessão da Catalunha), à Holanda e a Inglaterra, contra a França e a Espanha, tropas portuguesas chegaram a ocupar Madrid em 1707 e a coroa portuguesa revelava pretensões sobre a Galiza e a Extremadura espanhola. O Tratado de Utrecht, de 1713, saldou-se por uma espécie de empate: o rei de Espanha viu-se forçado a reconhecer o rei de Portugal como seu igual e a aceitar definitivamente a independência portuguesa; pelo seu lado, Portugal abandonou pretensões a terras espanholas no continente europeu (na América do Sul a história foi diferente; e mesmo na Europa a história inverteu-se cem anos depois, quando os espanhóis se aliaram a Napoleão em troca de metade de Portugal e acabaram a “esquecer-se” de devolver Olivença após o Congresso de Viena).
A decisão, por parte do Estado português, de se manter afastado das querelas espanholas e das ambições independentistas das outras nações históricas peninsulares é impecável e absolutamente sábia. Ninguém no seu perfeito juízo pode sugerir que ela deva ser alterada. O que não se compreende bem é a ausência de debate sobre Espanha na sociedade portuguesa, mesmo quando a questão da independência da Catalunha é tema quotidiano no país vizinho. Na nossa academia, tal como nas redações e no mundo cultural, parece reinar a ideia (ou o preconceito) de que a questão catalã e as suas consequências para a Península e para a Europa é um daqueles temas que dá para ir empurrando com a barriga porque, na verdade, nunca chegará a uma “hora da verdade”. Quando, há uns anos, se realizou uma consulta popular na Catalunha sobre a independência, não faltaram editoriais a desvalorizar o caso e a dar por encerrada a possibilidade de nascer um novo país no nosso espaço geográfico. O mesmo ocorreu quando as listas independentistas ganharam as eleições autonómicas. E o mesmo está para acontecer, por antecipação, em relação ao referendo que o governo catalão quer realizar no dia 1 de outubro, e que o governo espanhol quer impedir.
Pois bem, acordemos para a realidade: a questão da independência da Catalunha é para levar muito a sério. Independentemente (passe o trocadilho) de haver ou não referendo no próximo dia 1 de outubro. Independentemente de, caso haja referendo, o governo espanhol pretender inabilitar os governantes catalães para o exercício de cargos públicos. Engana-se quem pensar que essa é uma ameaça para a qual os líderes catalães não estejam preparados e cujas consequências não estejam dispostos a aceitar. Engana-se ainda mais quem pensar que, por detrás desta geração de dirigentes catalães, não há uma outra capaz de suceder-lhe e ainda mais firme na defesa do que acreditam ser o seu direito a decidir.
Além de ser para levar a sério, a questão catalã veio para ficar. Ela vai colocar-nos perguntas inevitáveis não só para a Península Ibérica como sobretudo para a UE. Se os portugueses fossem um pouco menos discretos na forma como a abordam, talvez finalmente alguém de muito próximo pudesse dizer a verdade aos nossos amigos e irmãos espanhóis: o vosso governo está a fazer tudo tão errado que até parece que deseja garantir a independência da Catalunha. Não há melhor forma de fomentar o independentismo entre os catalães do que proibi-los de votar num referendo.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico