O que interessa a maternidade de uma deputada? "Nada"
Na Nova Zelândia, uma líder partidária tem sido confrontada com dúvidas sobre a conciliação dos papéis de mãe e de dirigente. Em Portugal, Assunção Cristas e João Galamba entendem que a maternidade não pode ser apenas um assunto de mulheres.
O Partido Trabalhista da Nova Zelândia tem uma nova líder e o nome escreve-se no feminino. E talvez seja apenas por isso que, na semana passada, e por duas vezes, se tenha perguntado a Jacinda Ardern se pretende ou não ser mãe enquanto estiver em funções. Nas duas ocasiões, uma na rádio e outra na televisão, Ardern até se mostra disponível para responder, mas sublinha que não tem obrigação de o fazer e que a pergunta só é feita por puro sexismo.
Aos 37 anos, Adern tornou-se a mais nova líder de sempre do Partido Trabalhista e a segunda mulher a chegar à liderança daquela formação neozelandesa. Mas alguns jornalistas ignoraram a dimensão política do acontecimento e centraram-se num tema da vida privada: a capacidade da deputada conciliar, ou não, uma possível gravidez com as suas funções.
Jesse Mulligan, apresentador do programa The Project, foi o primeiro a colocar a questão, logo na noite da eleição. O repórter admitiu até que a pergunta que estava prestes a fazer não tinha gerado consenso entre os colegas da sua equipa. Ao seu lado, outra jornalista mostra-se desconfortável, antecipando o incómodo. Mas o apresentador não se demove e prossegue: “Muitas mulheres na Nova Zelândia sentem que têm de fazer uma escolha entre ter filhos ou ter uma carreira”. “É uma escolha que sente que tem de fazer ou já a fez?”, questiona Mulligan, que pelo meio sublinha ainda os “30 e tal anos” da deputada.
“A minha posição não é diferente de uma mulher que trabalha em três empregos ou que estão a assumir várias responsabilidades”, respondeu a deputada, destacando que não tinha problemas em falar disso: "Porque tenho estado disponível a discutir este dilema porque creio que muitas mulheres o enfrentam."
Numa segunda entrevista, na rádio, a deputada foi confrontada com a mesma pergunta. O locutor, Mark Richardson, defendeu que "os neozelandeses têm o direito de saber" se existe a possibilidade da potencial futura primeira-ministra tirar uma licença de maternidade. "Se for o patrão numa empresa, precisa de saber esse tipo de coisas acerca da mulher que está a empregar".
"A questão aqui é se é correcto uma primeira-ministra tirar uma licença de maternidade enquanto estiver em funções", questiona, enquanto a locutura que o acompanha na emissão o tenta dissuadir de terminar a intervenção, abanando a cabeça em desacordo.
A deputada responde, visivelmente irritada, que "em 2017 é totalmente inaceitável afirmar que as mulheres devam responder a essa questão no seu local de trabalho".
"É inaceitável, inaceitável", repete, enquanto recebe palmas da locutora Amanda Gillies.
"É uma decisão das mulheres e não deve predeterminar se recebem ou não oportunidades de trabalho", recrimina, citando o direito à privacidade nesta decisão em relação ao empregador, um direito protegido na Declaração dos Direitos Humanos, que condena a discriminação do empregador em relação à gravidez ou planos de constituir família no futuro.
As duas entrevistas geraram uma enorme controvérsia na Nova Zelândia, com os dois jornalistas a serem acusados de sexismo.
"Não deve ser do interesse público”
Em Portugal, e a julgar pela reacção de dois deputados contactados pelo PÚBLICO, a reacção seria a mesma.
“É uma pergunta que não se faz a ninguém. Nem a homens, nem a mulheres. Muito menos em contexto profissional”, defende Assunção Cristas, líder do CDS e mãe de quatro crianças. “Não é aceitável que o façam. Cada um deve regular o nível de reserva que tem na vida da forma que se sente mais confortável e deve ser uma exposição que parte da pessoa”, continua, numa conversa telefónica com o PÚBLICO. “As pessoas, se quiserem, falam disso. Mas é um assunto que não deve ser de interesse público”, argumenta a líder do CDS. “Não coloca em causa a qualidade do seu trabalho. É perfeitamente desadequado”.
Questionada sobre a forma como actualmente é visto o papel da mulher na sociedade e na política, Cristas acredita que “vai melhorando", mas que ainda se está "muito longe de olhar para as responsabilidades de uns e outros de forma equilibrada”.
A pergunta “faz-se mais às mulheres porque continuamos a viver numa sociedade que, apesar de ter evoluído bastante, continua a atribuir à mulher o papel da família e ao homem um papel que não passa pela partilha de responsabilidades”, avalia.
Cristas era ministra da Agricultura e do Mar quando, em 2013, ficou grávida. À data, muito se escreveu sobre “a primeira ministra grávida em funções”. “Para mim, que sempre trabalhei e tive filhos enquanto estava a trabalhar, não me deixou de surpreender a atenção que a minha gravidez recebeu”, recorda.
E o que é ainda necessário fazer para a gravidez deixar de ser vista como um assunto de mulheres? “Colocando os homens a falar dele e a serem confrontados com ele também”, atira. “Este não é um tema das mulheres. É um tema da sociedade. E por isso é um tema sobre os quais os homens têm de participar”, justifica.
Assunção Cristas acredita que esta abordagem é injusta para muitos homens, presentes na vida dos filhos e cita alguns exemplos na sua bancada parlamentar, que saem mais cedo para cumprir deveres parentais: “Em muitos empregos e situações alguns pais são vistos de forma negativa quando mostram interesse em estar mais presentes na vida familiar e ouvem ‘mas as crianças não têm mãe?’”.
“Para mim é essencial estar presente na vida de todos os meus filhos e tirarei o máximo que a lei permite”, afirma João Galamba, deputado do PS, a gozar actualmente de licença de paternidade. “Eu sou uma pessoa do meu tempo”, considera. “A minha experiência geracional e círculo de pessoas à minha volta, a presença dos homens na vida familiar é vista como normal”, explica ao PÚBLICO.
“O nascimento e parentalidade são um bem social que importa apoiar”, sublinha. “A mulher terá sempre mais limitações mas que devem ser apoiadas não como constrangimentos, mas como condições”, avalia o socialista. E isso, admite, “não muda do dia para a noite”.