Trump, o impulsivo, recebe Xi, o paciente

Os líderes das duas maiores potências mundiais não podiam ser mais diferentes. Nos próximos dois dias vão discutir alguns dos temas que podem definir o futuro da diplomacia e do comércio mundial.

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Depois de meses de uma retórica agressiva em relação à China, Trump vai encontrar-se com Xi EPA/JIM LO SCALZO/FILIP SINGER

A estância balnear de luxo de Mar-a-Lago, na Florida, recebe habitualmente hóspedes ilustres e poderosos. Mas nos próximos dois dias, a concentração de poder no resort vai elevar-se exponencialmente. Os líderes das duas maiores potências mundiais vão estar reunidos pela primeira vez desde que Donald Trump chegou à Casa Branca. À incerteza que a governação de Trump gera junta-se uma China cada vez mais afirmativa e que procura desafiar a posição hegemónica dos EUA. São dois métodos opostos de fazer diplomacia que se sentam à mesma mesa, escreve o Wall Street Journal: “Trump gosta de apresentar posições negociais duras e depois recuar, enquanto os chineses gostam de oferecer concessões cosméticas para amolecer os estrangeiros, enquanto fazem avançar incessantemente os seus interesses.” 

Coreia do Norte, o terceiro elemento

O encontro entre Trump e Xi nunca será verdadeiramente a dois. Entre os dois líderes irá intrometer-se — à força, ou não — o líder norte-coreano Kim Jong-un, cuja sombra de imprevisibilidade irá pairar sobre os céus azuis de Mar-a-Lago. Há, desde logo, a possibilidade de o regime testar um míssil nuclear durante a visita. O lançamento de um míssil balístico para o Mar do Japão na véspera do encontro foi um sinal de que Pyongyang o vai seguir com atenção.

Donald Trump fez da “luta contra o terrorismo” uma das grandes prioridades da sua política externa, mas a Coreia do Norte impôs-se como o primeiro desafio geopolítico da nova Administração norte-americana. O regime persiste na sua marcha incessante de desenvolvimento de armas nucleares, deixando os vizinhos, e aliados de longa data de Washington, num permanente ataque de nervos. Em Setembro, a Coreia do Norte fez o seu quinto e mais poderoso ensaio nuclear, a que se juntam vários testes balísticos. Vários especialistas calculam que dentro de menos de uma década Pyongyang poderá desenvolver a tecnologia que permite miniaturizar ogivas nucleares para serem transportadas por mísseis — o que irá representar a ascensão da Coreia do Norte ao grupo das potências nucleares.

A Administração Trump tem mostrado não recear uma abordagem mais musculada. Numa visita recente à Ásia, o secretário de Estado Rex Tillerson declarou o “falhanço” da abordagem diplomática seguida até agora, numa referência à política protagonizada por Barack Obama, mas também por George W. Bush, de pressionar Pyongyang através da aplicação de sanções económicas, sob a égide da ONU.

A estratégia de Trump tem sido insistir junto de Pequim para que aumente a pressão sobre o seu aliado. Numa entrevista esta semana ao Financial Times, o Presidente dos EUA disse estar disposto a “tratar” da Coreia do Norte sozinho, caso a China não coopere. É expectável que Trump volte a insistir, durante o encontro dos próximos dois dias, na necessidade de Pequim utilizar a sua influência junto da Coreia do Norte.

dúvidas, porém, quanto à verdadeira capacidade da China de influenciar o regime norte-coreano. Muitos analistas notam que Xi e Kim não mantêm uma relação próxima — ao contrário do que acontecia com o pai e o avô do actual líder norte-coreano. “O comportamento de Xi é um pesadelo tanto para a China como para os EUA e os seus aliados”, escreve o especialista do Instituto Brookings Jonathan Pollack.

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Sem ter sido convidado, Kim Jong-un vai pairar sobre o encontro KCNA/REUTERS

Pequim tem dado alguns passos que corroboram a teoria de que o seu apoio a Kim tem limites. Recentemente, a China suspendeu a importação de carvão da Coreia do Norte até ao final do ano, cortando uma importante fonte de financiamento do seu aliado. No início do ano passado, a China também viabilizou no Conselho de Segurança da ONU a aprovação de um pacote de sanções.

Mas há posições de que Xi não vai abdicar. Uma delas é a construção de um sistema de defesa antimíssil norte-americano, conhecido como THAAD, na Coreia do Sul, que está a dar os primeiros passos. O Governo chinês encara a infra-estrutura como uma ameaça apontada não contra a Coreia do Norte, mas contra si, e já avançou para retaliações contra Seul — cuja economia depende em grande parte das exportações para a China.

Desavenças no comércio

Durante a campanha eleitoral, Trump escolheu bem cedo a China como o grande rival do seu projecto de “tornar a América grandiosa outra vez”. A narrativa de Trump é simples: foram as “práticas comerciais desleais” chinesas que desferiram golpes mortais na indústria norte-americana e “acabaram com milhões de empregos”. Num discurso, o então candidato republicano disse mesmo que a América estava a ser “violada no comércio” pela China.

A retórica dura seguiu acompanhada de ameaças, como a classificação da China como um “manipulador de moeda” pelo Departamento do Tesouro ou a aplicação de um imposto aduaneiro de 45% para as importações de produtos chineses. Poucos dias antes de receber Xi na Florida, Trump antecipou um “encontro difícil”, alegando o “défice comercial maciço” que os EUA registam em relação à China.

O objectivo de Trump neste capítulo será “o seu desejo urgente de alcançar uma vitória rápida, após uma série de infortúnios embaraçosos”, escreve o analista Minxin Pei no site da Nikkei Asian Review. Um desfecho possível seria, por exemplo, um anúncio tweetável de mais investimento chinês nos EUA, antecipa o Politico, pondo de lado outras questões, como os direitos humanos ou mesmo as reivindicações territoriais chinesas. O problema é que a política externa chinesa privilegia a paciência, em contraste com o imediatismo de Trump, ansioso para anunciar vitórias. Como resume a New Yorker: “Deixem Trump tweetar; Xi está a fazer um jogo mais longo.”

Conflito no Mar do Sul

Quando os catastrofistas especulam sobre o potencial início de uma III Guerra Mundial é nos mares asiáticos que a escolha frequentemente recai. O Mar do Sul da China é reivindicado por vários países asiáticos e há anos que é palco de uma militarização crescente. Pequim tem desenvolvido ilhas artificiais, enviando colonos e, em alguns casos, através da construção de infra-estruturas militares.

O problema vem de trás, mas a Administração Trump tem utilizado uma linguagem mais dura. Durante os mandatos de Obama, a política para a região passava sobretudo pela intensificação de operações navais e manobras militares com os seus aliados. Rex Tillerson sugeriu que o acesso da China às ilhas que diz serem suas pode ser “bloqueado” — em Pequim, a imprensa estatal respondeu com a ameaça de um confronto militar.

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Ilha artificial construída pela China CSIS Asia Maritime Transparency Initiative/DigitalGlobe/REUTERS

O assunto tem tudo para se manter num impasse, mas uma boa solução, dizem vários analistas, é que China e EUA cheguem a um acordo para intensificar a comunicação entre si a fim de evitar choques acidentais durante as operações de navegação — o tal momento fortuito que poderia fazer subir a tensão regional a níveis preocupantes.

Taiwan

As regras ambíguas que governam a relação entre os EUA, Taiwan e a China podem apanhar qualquer um desprevenido. Aconteceu com George W. Bush quando, pouco tempo depois de ter tomado posse, lhe perguntaram se os EUA sairiam em defesa de Taiwan caso a China atacasse a ilha. Bush respondeu afirmativamente, mas perante o olhar atónito do jornalista perguntou a um conselheiro se tinha dito alguma coisa errada. “Bem, apenas pôs no lixo duas décadas de ambiguidade estratégica, senhor Presidente”, respondeu-lhe.

Em resumo, a política de “uma só China” implica que os EUA tenham relações diplomáticas oficiais apenas com a República Popular da China — e não com a República da China, ou seja, Taiwan. Este foi um arranjo criativo sem o qual Washington e Pequim não poderiam ter estabelecido relações, como veio a acontecer no início dos anos 1970. Ao mesmo tempo, deixa em aberto a possibilidade de os EUA manterem o seu apoio oficioso a Taiwan.

Trump quebrou uma premissa básica desta política quando atendeu um telefonema da Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, poucos dias depois da sua eleição, dando origem a uma onda de perplexidade e, em Pequim, de fúria. Trump, que se orgulha de não precisar de ler briefings aprofundados sobre os temas da governação, disse, mais tarde, saber muito bem o que estava a fazer. “Percebo perfeitamente a política de uma só China, mas não sei por que temos de nos vincular a uma política de ‘uma só China’ a menos que consigamos um acordo com a China noutras matérias, incluindo o comércio”, disse à CNN, alguns dias depois.

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