Uma questão de minutos
Nunca chegou a vir para Portugal o melhor jogador chinês da actualidade – os melhores jogam na endinheirada liga chinesa - e, como a sua lista (de Dias Ferreira) não ganhou as eleições no Sporting, Paulo Futre não chegou a ter a oportunidade de abrir em Alvalade o “departamento do jogador chinês”. Mas há muitos a jogar em Portugal, sobretudo com um objectivo, o de aprender e de evoluir com a conceituada formação portuguesa.
O número de jogadores chineses não é fácil de quantificar e qualquer recolha corre o risco de ficar desactualizada de um dia para o outro, já que as inscrições de novos jogadores vão continuar a chegar até Janeiro à FPF. São várias dezenas no escalão sénior, concentrados em meia-dúzia de distritos, quase todos em clubes do Campeonato de Portugal (III Divisão). Na I Liga, estão apenas dois, e ambos no Paços de Ferreira, o guarda-redes Yeerzati Teerijeti e o avançado Tang Shi.
Na II Liga são quatro chineses e dois de Macau, sendo que três deles têm (pouco) tempo de jogo. Wei Shi Shao jogou um total de 244 minutos em sete jogos pelo Leixões, entre II Liga, Taça de Portugal e Taça da Liga; Wang Shu tem seis minutos pelo Cova da Piedade num único jogo da II Liga; Li Rui fez 29’ pela Académica na Taça da Liga (números até à presente jornada). Ou seja, não se cumpriu o propósito de colocar jogadores chineses nas dez melhores equipas da II Liga, mas também não se verificou a obrigatoriedade de os colocar a jogar, algo que chegou a ser ventilado quando a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) anunciou o acordo de patrocínio com a Ledman.
No Campeonato de Portugal, o número de jogadores chineses sobe substancialmente e há duas equipas que se destacam, Pinhalnovense (seis) e Torreense (sete), dois clubes cujas SAD pertencem maioritariamente desde 2015 à Wsports Seven, do empresário Qi Chen, – 80 por cento da SAD do Pinhalnovense foi adquirida por 60 mil euros; 70 por cento da do Torreense ficou por 360 mil. Para não colidir com os regulamentos, a SAD do clube de Torres Vedras tem como accionista maioritário a filha de Chen, que foi o responsável, em 2006, pela ida do avançado Yu Dabao para o Benfica – Dabao ainda brilhou nos juniores “encarnados”, com muitos golos, mas a transição para a primeira equipa do Benfica foi difícil, com poucos minutos na equipa sénior; ainda assim, Dabao, hoje com 28 anos, tem tido uma boa carreira no campeonato chinês e é internacional A pelo seu país.
Um modelo de negócio
Para além de controlar estes dois clubes, que também integram jogadores chineses nas equipas de juniores, a Wsports Seven controla também o Oriental Dragon FC, criado de raiz para ajudar à formação de jogadores chineses. Esta equipa começou nesta temporada a disputar a II Divisão Distrital de Setúbal, com dez jogadores chineses inscritos, depois de ter andado dois anos na “Future Stars Football League”, uma competição sub-21 que envolvia várias equipas de Setúbal e Lisboa, e com um plantel composto apenas por jogadores chineses. O P2 contactou a a Wsports Seven através dos responsáveis técnicos do Oriental Dragon FC e através do número de telefone que disponível no site do clube. Em nenhum destes contactos a empresa de Qi Chen se mostrou disponível para falar, por o projecto estar a ser “reformulado”.
Desde a sua criação em 2014, o Oriental Dragon chamou a atenção de várias entidades, desde o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) à própria Federação Portuguesa de Futebol (FPF). O organismo liderado por Fernando Gomes, através do Conselho de Disciplina, instaurou um processo a Qi Chen e a seis jogadores do Oriental Dragon “em virtude de eventuais irregularidades dos atletas, com vista à época 2015-16”. Ao que o PÚBLICO apurou, este processo foi recentemente arquivado. Quanto ao SEF, chegou a marcar presença num treino da equipa.
Na sua estreia em competições seniores, o Oriental Dragon, sem contar com a jornada deste fim-de-semana, tem uma vitória e um empate em duas jornadas da II Divisão Distrital de Setúbal. Em declarações recentes ao jornal O Setubalense, Paulo Mateus, o treinador da equipa, assumiu que o objectivo é a subida à I Divisão Distrital “já este ano” e que, a médio prazo, o propósito é chegar aos campeonatos nacionais. Em Maio do ano passado, em declarações ao Maisfutebol, Qi Chen assumia o propósito formador do Oriental Dragon: “O objectivo deste projecto é aproveitar o conhecimento português na formação […] e assim ajudar o futebol chinês a progredir.”
Jogadores a potenciar
Mais acima na pirâmide, Torreense e Pinhalnovense disputam, respectivamente, as Séries F e H do Campeonato de Portugal, e é a equipa de Torres Vedras que está melhor, perto das posições de topo e com menos um jogo. Já a equipa de Pinhal Novo, está um pouco mais abaixo na classificação e já mudou de treinador nesta temporada. Não foram os resultados que ditaram o afastamento do técnico Eduardo Almeida, como acontece na maioria dos treinadores despedidos. “Havia a obrigação de colocar dois jogadores chineses a titular e eu fui despedido porque não o fazia”, conta ao P2 o treinador que não teve qualquer derrota nos cinco jogos oficiais disputados.
O modelo de negócio da Wsports Seven, explica Carlos Dinis, que trabalhou durante quatro meses na empresa, é, basicamente, valorizar jogadores com minutos de competição, mesmo que seja na III Divisão portuguesa. “Os jogadores que trazem para aqui são jogadores a desenvolver, a potenciar. Mesmo a um nível que não seja muito elevado, quando regressam à China conseguem ganhar dinheiro com eles. Se têm minutos no Campeonato Prio ou na II Liga, conseguem bons contratos e bons negócios”, explica ao P2 o treinador português. No início de 2016, foram vendidos dois jogadores para a liga chinesa, Liu Yiming e Yan Zihao, cada um por valores a rondar o milhão e meio de euros. O primeiro estava no Pinhalnovense, o segundo passou pelo Torreense e Oriental Dragon, sendo que ambos terão tido uma valorização extra por terem passado pela formação do Sporting Clube de Portugal.
Eduardo Almeida até se mostra compreensivo quanto a este modelo de negócio, argumentando, em sua defesa, que, com ele, havia um jogador chinês que jogava sempre, um defesa-central com muita qualidade. “Mas não podia pôr em causa os resultados, apesar de compreender o projecto, como sempre fiz. Estava sempre aberto a contribuir para a sustentabilidade do negócio. Depois, passar à imposição de determinados elementos estava completamente fora de questão”, diz o treinador, acrescentando que, quando foi contactado durante a época passada para salvar a equipa da descida de divisão, nunca lhe foi colocada “qualquer situação de jogadores”. “Na reunião com o presidente, ele disse-me que os jogadores chineses até tinham evoluído bastante, mas teríamos de passar à segunda fase. Eles teriam de jogar minutos. Foi essa expressão”, revela.
Nos quatro meses que passou ligado à Wsports Seven, Carlos Dinis sentiu volatilidade e ingerência no seu trabalho por parte da administração e, por isso, ficou pouco tempo. “Havia um flutuar de ideias e não havia autonomia para que eu pudesse ser o responsável pelo que se estava a passar. […] Havia uma instabilidade permanente em todo o processo que não era claro e linear”, reforça Carlos Dinis, acrescentando que houve também uma tentativa de usar a sua influência na FPF (à qual esteve vários anos ligado como técnico das selecções jovens) na questão do processo disciplinares na federação. Sem poder confrontar os responsáveis da empresa a estas questões, recupera-se uma declaração de Qi Chen ao jornal “Record” de Novembro de 2015: “Tenho todo o respeito pelo senhor Carlos Dinis. O projecto irá seguir o seu caminho. Agradecemos as críticas construtivas, mas ignoramos comentários irresponsáveis.”