No meio da crise, dois novos jornais de economia apostam que há mercado
Quando os media atravessam há anos dificuldades de negócio, há novos projectos jornalísticos prestes a serem lançados. ECO e O Jornal Económico acreditam que há leitores e novas oportunidades.
O jornalismo de economia está a mexer. Alguns meses depois da falência do Diário Económico, uma das mais importantes marcas de informação do jornalismo económico em Portugal nos últimos anos, e quando a generalidade da imprensa se debate com problemas de negócio, há dois projectos na calha para serem lançados.
Uma das publicações, chamada ECO, apresenta-se como um jornal digital focado nos dispositivos móveis. Encabeçada pelo jornalista António Costa (que foi director do Diário Económico) e por Paulo Padrão (que tem uma longa carreira na área da comunicação e foi director de comunicação do BES), a publicação tem o jornalista Pedro Carvalho (ex-PÚBLICO) como director executivo e é financiada por uma panóplia de accionistas: entre outros, os empresários António Amorim e António Mota, a empresa de investimento Rising Ventures (co-fundada pelo empresário de media Joaquim Oliveira) e a Haitong Capital (do Haitong Bank, o antigo BES Investimento). O investimento está próximo de 1,5 milhões de euros.
António Costa explicou ao PÚBLICO que o ECO será "um jornal económico e financeiro, não de política", com "uma abordagem mais focada" do que tinha o Diário Económico. O consumo no telemóvel é a prioridade e a inspiração vem de sites internacionais como o Market Watch e o popular Business Insider (que há um ano foi comprado pelo grupo alemão Axel Springer, que desembolsou 450 milhões de dólares). Sem especificar uma data, o responsável aponta o lançamento para o último trimestre deste ano. A redacção terá cerca de duas dezenas de jornalistas.
Já O Jornal Económico, que tem data de lançamento marcada para 16 deste mês, terá uma natureza diferente. Será um semanário, com presença online e uma edição impressa focada no mercado empresarial. Tem Vítor Norinha e Filipe Alves na direcção editorial. O projecto deriva do Oje, um jornal económico que teve dez anos de existência até a edição impressa acabar em Julho e que assentava num modelo de assinatura por empresas.
O jornal “vai ter uma nova plataforma digital, um novo formato em papel e uma redacção mais consistente”, explicou Luís Figueiredo Trindade, administrador da Megafin, a empresa por trás do jornal. O investimento ronda também 1,5 milhões (Trindade não quis nomear os accionistas) e a meta é ter as contas no verde no terceiro ano de actividade. "Não vai haver mais nenhuma injecção de capital, fizemos isto de forma muito sustentável", diz o administrador. A redacção, de cerca de 25 pessoas, integra vários jornalistas vindos do Diário Económico e do Oje.
A estratégia do jornal é a de ter várias plataformas. A Megafin, tentou este ano comprar o site do Diário Económico e a ETV, o canal de televisão do jornal. Segundo Trindade, a compra do canal está prestes a concretizar-se. “Vai ficar resolvido este mês. Está-se a fechar”, disse o administrador, notando que o plano passa por ter uma presença em “papel, digital, conferências e televisão”.
Há anos que a imprensa – não apenas económica – enfrenta um complexo desafio de negócio. Em meados da década passada, não faltava quem fizesse gráficos a mostrar como a queda das receitas publicitárias das edições impressas seria compensada pelo crescimento dos anúncios online. Essas perspectivas acabaram goradas. Hoje, o Google e o Facebook, que têm uma inigualável capacidade para vender publicidade direccionada, ficam com uma grande fatia do mercado digital com que em tempos os jornais sonharam.
O problema é transversal a boa parte dos países que têm níveis elevados de informatização. Mas Portugal tem alguns problemas específicos, observa Luís Oliveira Martins, professor na Universidade Nova de Lisboa e investigador na área da economia dos media. “Em Portugal, existem alguns factores específicos, estruturais e conjunturais, que condicionam a viabilidade da imprensa”, refere. “Em termos estruturais, observa-se uma queda da taxa de leitura de jornais tradicionais, que será provavelmente irreversível. Em termos conjunturais, temos uma economia com fraca capacidade de crescimento, o que impede o desenvolvimento mais acelerado do mercado publicitário”.
Oliveira Martins, no entanto, não fica surpreendido com o surgimento de novos projectos num clima económico difícil. “Esta tendência de auto-renovação acentuou-se com as revoluções tecnológicas das duas últimas décadas. Assim, não será de estranhar se observarmos, com alguma regularidade, o lançamento ou falência de jornais.” As publicações de nicho, argumenta o académico, podem ser bem-sucedidas. "É o caso nomeadamente de projetos online de jornalismo económico ou jornalismo de negócios."
Para os dois diários de economia portugueses (o extinto Diário Económico e o Jornal de Negócios, do grupo Cofina, também dono da Sábado e do Correio da Manhã) os melhores anos de vendas na última década coincidiram com a primeira metade do período da crise financeira. Foi uma altura em que se assistiu a um enorme aumento da atenção mediática sobre os temas económicos.
Feitas as contas desde 2006, as vendas combinadas daqueles títulos tiveram um pico entre 2011 e 2012, entrando em declínio no ano seguinte. Outubro de 2011 foi o mês em que os dois jornais mais venderam e o único na década em que superaram, em conjunto, a fasquia dos 30 mil exemplares. Os dados são da Associação Portuguesa de Controlo de Tiragens e as vendas incluem os exemplares vendidos nas bancas, as assinaturas e ainda as vendas em bloco, que são feitas a empresas e instituições, frequentemente com descontos.
Em 2016 os números são diferentes. Este ano, o Diário Económico vendeu, em média, cerca de 6300 exemplares por edição, antes de ter acabado com a publicação em papel, em Março. O Jornal de Negócios teve, ao longo dos primeiros quatro meses do ano, uma circulação paga em torno dos 5500 exemplares por edição. O semanário Oje vendeu uma média de aproximadamente 6500 exemplares por edição, a grande maioria através de assinaturas.
Já na Internet, não há nenhum título económico nos lugares cimeiros do Netscope, uma tabela elaborada pela Marktest, que audita o tráfego da generalidade dos sites de informação portugueses. O ranking é liderado pelo Sapo, pelos títulos desportivos e pelo Correio da Manhã. O Diário Económico estava em Julho em 19.º, logo seguido pelo Jornal de Negócios – ambos tiveram cerca de 4,7 milhões de visitas (um utilizador pode fazer mais do que uma visita). O Dinheiro Vivo, um site de economia do mesmo grupo do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, estava em 26.º.
Tanto Luís Figueiredo Trindade como António Costa dizem ver oportunidades no actual contexto. "O papel não vai acabar. O mercado não tem nenhum semanário económico", observa o adminstrador de O Jornal Económico. Já o responsável pelo ECO refere que pretende chegar aos "leitores actuais de informação económica, que estão espalhados por vários meios", incluindo os jovens que estão a saír das faculdades ou que estão há poucos anos no mercado de trabalho – e que "não lêem jornais em papel".