O país do passado

Este "impeachment" está desde o início condicionado por razões políticas e de oportunidade partidária. Num regime parlamentarista isto não só não seria um problema como faria parte da natureza das coisas.

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Escrevo antes de saber o resultado do voto que, na Câmara dos Deputados brasileira, poderá iniciar o processo de impugnação da presidente Dilma Rousseff. Tenho apenas uma certeza: não há um Brasil melhor que possa sair desta iniciativa.

Este "impeachment" está desde o início condicionado por razões políticas e de oportunidade partidária. Num regime parlamentarista isto não só não seria um problema como faria parte da natureza das coisas. Mas de acordo com a Constituição brasileira, que estabelece um regime presidencialista, não pode haver destituição de um presidente sem a prática de determinados crimes. Seguindo atentamente este processo até aqui, não vejo fundamento jurídico sério para considerar que Dilma Rousseff tenha cometido qualquer crime. Um processo que começa por perverter o sentido da Constituição não pode produzir bons resultados.

E essa, por incrível que pareça, é a apenas a melhor das hipóteses.

Quem seguiu os trabalhos parlamentares que decorreram em Brasília não pode deixar de ter ficado espantado com o tribalismo e a falta de decoro do que ali se passou. O circo montado na Câmara dos Deputados pelo seu presidente Eduardo Cunha, ele sim um réu em processos de corrupção e detentor de contas não-declaradas na Suíça e empresas fictícias no Panamá, esconde um sistema político putrefacto que defende com unhas e dentes a sua sobrevivência. Os deputados vociferantes que tentam cavalgar a indignação da população brasileira para destituir Dilma Rousseff não são o início de uma dinâmica de maior exigência contra a corrupção. Pelo contrário, eles são o resultado de um sistema de financiamento partidário corrompido até ao tutano. Não por acaso muitos dos apoiantes do impeachment são citados no processo lava-jato e correm histórias de alguns que esperam por uma presidência de Michel Temer — com autoridade sobre uma Polícia Federal a que Dilma Rousseff deu independência — para poder, sob um manto de “reconciliação do país”, colocar uma pedra sobre o assunto da corrupção política e partidária. Estes deputados não são os glóbulos brancos da República brasileira; só com muita sorte não serão as suas células cancerígenas.

Há quem pense que, afastada Dilma Rousseff, o próximo passo será o de afastar Eduardo Cunha. Pura ilusão. Eduardo Cunha terá assegurada a sua sobrevivência uma vez que tenha posto o chefe do seu partido, Michel Temer, no Palácio do Planalto. Pior do que isso: Cunha será o presidente em exercício de cada vez que Temer se ausentar do país. Nenhum deles, dependente que estará da maioria dos deputados corrompidos do Congresso, fará o mínimo esforço para reformar a política brasileira. Pelo contrário, tudo farão para a manter exatamente como está. Depois das manobras para evitar o julgamento de Eduardo Cunha e fazer subir Michel Temer à presidência, não é agora que esta dupla começará a agir com escrúpulos.

Nos seus anos de presidência, Lula da Silva costumava dizer que o Brasil já não era o “país do futuro” mas sim o país do presente. Esquecia-se de que, para o poder dizer, tinha (como Fernando Henrique Cardoso) compactuado durante os seus governos com as piores práticas e representantes do Brasil do passado. É esse o seu grande erro, que agora o olha de frente na cara.

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