Passos não vai escutar
Depois de Costa, mais um ministro a pedir consensos impossíveis com o PSD.
Num espaço de duas semanas, as duas mais importantes figuras do Governo minoritário do PS falam publicamente da importância de serem estabelecidos consensos com o PSD. Na entrevista que hoje dá a este jornal, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros e número dois do Executivo, é claro: “Entre o PS e o PSD, se pensarmos na justiça, segurança interna, defesa nacional, política europeia, política externa, no comprometimento com a União Económica e Monetária… os consensos não só são potenciais, mas absolutamente necessários.” Por seu lado o primeiro-ministro, António Costa, afirmava a 12 de Fevereiro ao Expresso: “Há matérias que, pela sua natureza, convidam a consensos políticos mais amplos e acho que seria uma pena se o PSD continuasse fechado naquele casulo perdido no passado e não regressasse ao tempo presente”.
Foi curta a distância entre um momento e outro, mas se se pensar que neste intervalo se ficou a saber que Bruxelas, com dúvidas sobre o Orçamento, exigiu um plano B e obrigou a Governo a carregar mais nos impostos, talvez se perceba que Costa e o seu núcleo duro já estão a prevenir percalços. E esses percalços nem são difíceis de imaginar: os dois partidos à esquerda não aceitarão medidas de regresso à austeridade e, assim sendo, o Governo ficará em permanente risco de cair no Parlamento. Aliás, PCP e BE já perceberam que, em termos de Orçamento, a sua margem política está praticamente esgotada na proposta para este ano, quer em termos de negociação com o Governo quer no âmbito da adesão das suas bases de apoio. O Bloco é muito claro a identificar a dívida e o Novo Banco como os principais pontos de potencial conflito com o Governo e o PS, sendo que o primeiro deles “é um brutal constrangimento à política económica, ao investimento público, às políticas de emprego e ao financiamento do estado social”, diz o documento que a Plataforma Unitária do BE vai levar à Convenção deste ano do partido. Aliás, é esta constatação que leva os bloquistas a reafirmarem que “a reestruturação da dívida continua no centro da nossa alternativa”, uma antevisão de que será este o tema central das suas iniciativas no curto/médio prazo. Daí a antecipação do PCP, ao anunciar a apresentação de uma proposta sobre a reestruturação da dívida no Parlamento. Ou seja, os dois partidos pressionam os socialistas e pressionam-se entre si, sobre uma matéria que será decisiva na modulação do Orçamento de 2017. Mas os socialistas nem querem ouvir falar do assunto, como ainda esta semana aqui se contava.
Isto talvez explique os apelos de Costa e Santos Silva à construção de pontes com o PSD. Mas é praticamente impossível. A animosidade entre os dois partidos é imensa e não pára de crescer, como ainda esta semana se viu a propósito do governador do Banco de Portugal. Além do mais, a deterioração do cenário europeu e o clima denso nos mercados aceleram as fragilidades do Governo. Passos não vai escutar.