Deve a universidade promover hotéis?
Impõe-se que as operações para aprovação de aquisição ou alienação de património sejam realizadas com total transparência.
Em notícia publicada no PÚBLICO ficou-se a conhecer que a discussão na Câmara Municipal de Lisboa (CML) do Pedido de Informação Prévia do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa para construir três edifícios, entre os quais um hotel de cinco estrelas e outro de três, na Avenida das Forças Armadas, foi adiada uma semana, adiantando-se que o projeto terá sido recebido com muitas reservas. Já antes, Rui Pena Pires, em artigo de opinião, alertava que a decisão do ISCTE-IUL teria sido tomada sem que existisse ou se conhecesse o “plano de investimento em ativos imobilizados” requerido na lei, e que a construção de hotéis e cozinhas de topo não seria compatível com a missão estatutária do ISCTE, alertando ainda que a CML – cujo presidente é simultaneamente membro do Conselho de Curadores do ISCTE – não iria apreciar tão-somente uma proposta imobiliária de um qualquer promotor, mas de uma entidade pública que deve acautelar o interesse público.
A transparência de governação de uma universidade pública no âmbito do direito privado, como é o caso do ISCTE que opera em regime fundacional, pressupõe um atento escrutínio do quadro da rede de entidades e relações jurídicas que norteiam a colaboração entre os sectores público e privado. Sabendo-se que a construção de dois hotéis na Avenida das Forças Armadas envolve investimentos que uma universidade não pode suportar, não se deduz outro cenário que não seja a venda de parte do terreno em causa para fins de construção dos referidos hotéis, no âmbito de um projeto urbanístico prévio aprovado pela CML, aplicando-se o produto posterior da venda para a construção de um novo edifício escolar. Desconhecemos a proposta concreta que foi submetida à CML sobre o projeto urbanístico, porque nunca nos foi apresentado, mas foi esta a deliberação aprovada pelo Conselho Geral do ISCTE-IUL a que pertencemos e que mereceu o nosso voto contra (ata CG 18/05/2015, disponível para consulta pública).
Esta decisão do ISCTE, que nos merece reservas por se nos afigurar não ser inteiramente clara, deve ser objeto por parte da CML e da opinião pública de uma avaliação do seu interesse público, por várias razões: (i) é questionável que da missão da universidade pública faça parte submeter projetos urbanísticos de hotéis de 3 e 5 estrelas a uma câmara municipal para posterior venda a privados, mesmo que tal venda venha a ser realizada através de concurso público, (ii) ao contrário das outras universidades ainda em domínio de direito público, a operação de venda não carece de visto do Tribunal de Contas, (iii) a decisão de transmissão onerosa apenas pode ser tomada caso exista um plano de investimento em ativos imobilizados necessários à atividade da universidade e aprovados por órgãos próprios na instituição, tendo em vista a avaliação do investimento do produto da venda nas novas instalações, o que se desconhece existir.
Com a autonomia patrimonial nas universidades fundacionais, estas passaram a dispor de forma livre de todo o seu património no domínio da esfera do Estado, onde se incluem os imóveis adquiridos ou construídos. Considerando nestas condições que as operações para aprovação de aquisição ou alienação de património deixaram de carecer de intervenção da tutela, impõe-se que as mesmas sejam realizadas com total transparência, sob pena de se desvirtuar a função da universidade pública, sobretudo a de assegurar o interesse público.
Nuno David e Margarida Santos
Membros eleitos do Conselho Geral do ISCTE-IUL