Eduardo Cunha avança com impeachment de Dilma em retaliação contra o PT
Depois de meses de expectativa, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, decidiu nesta quarta-feira abrir um processo de impeachment contra a Presidente brasileira, Dilma Rousseff. Apesar de declarar que não o fez “por motivação política”, não escapou a ninguém a coincidência: o anúncio de Cunha, arqui-inimigo de Dilma, surgiu poucas horas depois de a imprensa brasileira ter noticiado que o Partido dos Trabalhadores (PT) tinha dado instruções aos seus deputados para votarem a favor da abertura de um inquérito parlamentar sobre eventuais irregularidades cometidas pelo presidente da Câmara dos Deputados. A decisão de Cunha, que não é o campeão das subtilezas, é uma retaliação pelo facto de não poder contar com o apoio dos três deputados do PT que poderiam salvá-lo de uma investigação parlamentar que visa a sua expulsão do cargo.
A imprensa brasileira deu conta de uma insólita aproximação entre Cunha e o Governo nas últimas semanas. Cunha terá prometido arquivar o pedido de impeachment contra Dilma se o Palácio do Planalto conseguisse convencer a bancada do PT a unir-se em torno dele no Congresso. Mas uma aliança com o presidente da Câmara dos Deputados abalaria definitivamente a reputação do partido do governo, já muito debilitada. Nos últimos dias, Brasília assistiu a um duelo inesperado: “de um lado, o Governo brigando em favor de Eduardo; do outro, parte do PT, brigando contra Eduardo”, escreveu o colunista do jornal Globo, Ricardo Noblat.
Os três deputados do PT que pertencem ao Conselho de Ética da Câmara de Deputados – que terá de aprovar ou arquivar o pedido de instauração de um processo contra Cunha – assinalaram na semana passada que votariam contra Cunha, mas nos últimos dias tinham recuado. Na terça-feira um deles, José Geraldo, admitiu a possibilidade de votar a favor de Cunha pela “salvação do país, da economia e do emprego”, numa referência ao mandato de Dilma. O suspense durou até esta quarta-feira, dia em que o PT convocou uma reunião à porta fechada para instruir os seus deputados a votarem contra Cunha. Horas depois, Cunha respondeu, aceitando o pedido de destituição de Dilma, que foi entregue em meados de Outubro pelos juristas Hélio Bicudo, fundador do PT que se afastou do partido, e Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça no governo de Fernando Henrique Cardoso. Segundo o Globo, Cunha sentiu-se enganado porque nessa mesma manhã o Palácio do Planalto tinha garantido que ele teria o apoio do PT.
“É uma decisão de muita reflexão e dificuldade. Nunca na história de um mandato houve tantos pedidos de impeachment”, disse o presidente da Câmara dos Deputados na conferência de imprensa em que anunciou que aceitara o pedido de destituição da Presidente. “Não tenho nenhuma felicidade no acto que estou praticando”, declarou.
Trata-se do 28.º pedido de destituição apresentado este ano contra Dilma, neste caso baseado em irregularidades fiscais cometidas pelo Governo para dissimular gastos praticados além dos limites legais. Enquanto presidente da Câmara dos Deputados, Cunha tem o poder para dar deferimento ou arquivar esses pedidos.
Numa declaração frente às câmaras de televisão, Dilma criticou a abertura do processo de impeachment, dizendo que não cometeu “nenhum acto ilícito”, não é acusada de desvio de dinheiros públicos, nem tem “contas no exterior” – uma referência óbvia às suspeitas que pairam sobre o próprio Eduardo Cunha, que é alvo de investigação pelas suas supostas ligações ao escândalo de corrupção conhecido como Lava Jato.
O facto de Eduardo Cunha ter decidido dar seguimento ao pedido de impeachment não significa que o processo será aberto pelo Congresso. Dois terços dos deputados (342, pelo menos) precisam de aprovar o documento para que o processo siga o seu caminho. A seguir, o pedido é encaminhado para o Senado, que tem um prazo máximo de 180 dias para votar.
Segundo a imprensa brasileira, o anúncio de abertura do processo de impeachment deverá dar a Cunha os votos necessários no Conselho de Ética para salvar o seu mandato, uma vez que irá contar com deputados da oposição que estavam descontentes com o impasse e queriam que ele avançasse com o processo de destituição contra Dilma.
Um dos líderes do PT no Congresso, Humberto Costa, publicou na sua conta no Twitter que a decisão de Cunha "é a chantagem de mais baixo nível que se pode ver numa república".