Costa responde a Cavaco com citações dos acordos e do programa de Governo

Líder do PS adiou agenda do dia para entregar nesta segunda-feira uma carta com excertos dos acordos e do programa de Governo que reviu após as negociações. O socialista não se reuniu com partidos da esquerda.

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António Costa telefonou aos líderes do BE, PCP e PEV após encontro com o Presidente ENRIC VIVES-RUBIO

O líder do PS, António Costa, está à espera de ser nomeado primeiro-ministro pelo Presidente da República, Cavaco Silva, depois de ter respondido na própria segunda-feira às clarificações e dúvidas que este lhe apresentou na reunião no Palácio de Belém.

A resposta foi remetida sem alaridos, para marcar a diferença em relação à conduta do Presidente, mas sem acrescentar qualquer novo dado ao que o líder do PS assinou nos acordos à esquerda, revelou no programa de Governo revisto ou declarou nas últimas duas semanas.

Sem expectativa de datas para a posse do XXI Governo Constitucional, os socialistas acreditam que a cerimónia que deverá ocorrer no Palácio da Ajuda possa realizar-se ainda esta semana e que o Programa de Governo possa ser discutido e votado na próxima semana pela Assembleia da República.

Nesta segunda-feira, Costa adiou uma série de reuniões para poder responder às interrogações do Presidente. Foi ponto de honra do líder socialista que a resposta seguisse no próprio dia, ao fim da tarde, para o Palácio de Belém.

Para as respostas, soube o PÚBLICO, António Costa contou apenas consigo e não fez qualquer reunião formal com os subscritores dos acordos, BE, PCP e PEV. As perguntas eram-lhe dirigidas enquanto líder do PS e potencial primeiro-ministro, pelo que não fazia sentido uma resposta que não fosse dada apenas por si.

Os compromissos que António Costa clarificou perante Cavaco Silva foram baseados nos textos que são públicos e nos seus discursos no Parlamento, bem como noutras declarações feitas por dirigentes socialistas em São Bento. Assim, na carta a Cavaco, de acordo com as informações do PÚBLICO, estão transcritos pedaços do programa de Governo do PS, bem como passagens dos três acordos e discursos do debate do Programa de Governo de Passos Coelho e de Paulo Portas.

Já em relação à pergunta sobre moções de confiança, o PÚBLICO sabe que não era intenção de António Costa dar grande explicações, apenas referir que, se um dia, no futuro, o assunto se colocar, a questão será então analisada.

Essa foi a primeira das questões em relação às quais o Presidente solicitou uma “clarificação formal”, por lhe suscitarem “dúvidas quanto à estabilidade e à durabilidade de um Governo minoritário do Partido Socialista”. Essa “clarificação” conforme foi assumida num documento escrito entregue a António Costa aquando da audiência, referia-se a matérias que o Presidente considerou “omissas” nas posições conjuntas assinadas entre PS, BE, PCP e Verdes.

Cavaco Silva pediu assim a Costa que desse outras garantias em relação à “aprovação de moções de confiança”, “aprovação dos Orçamentos do Estado, em particular o Orçamento para 2016”, o “cumprimento das regras de disciplina orçamental aplicadas a todos os países da zona euro e subscritas pelo Estado português”, o “respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa colectiva”, o “papel do Conselho Permanente de Concertação Social, dada a relevância do seu contributo para a coesão social e o desenvolvimento do país” e a “estabilidade do sistema financeiro, dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa”. 

O encontro serviu para que para Cavaco entregasse o referido documento, e pouco mais. Durou apenas meia-hora, finda a qual o secretário-geral do PS saiu de Belém com um sorriso nos lábios e um envelope na mão.

Pouco depois de sair do Palácio de Belém, António Costa contactou, telefonicamente, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Acertou com os líderes dos partidos de esquerda com quem assinou os acordos que viabilizam a sua entrada em funções que iria responder ao comunicado de Cavaco Silva também por escrito, no próprio dia. No entanto, nem o PS nem o BE nem o PCP viram necessidade de qualquer reunião formal para acertar uma resposta ao comunicado tornado público pelo Presidente.

Talvez por isso, os partidos de esquerda tenham interpretado a posição do Presidente de formas quase diametralmente opostas. O PCP valorizou o adiamento da indigitação de Costa. “As exigências feitas pelo Presidente da República ao secretário-geral do PS são uma nova e derradeira tentativa de Cavaco Silva salvar a maioria PSD/CDS e criar um novo pretexto na linha da obstaculização institucional da solução governativa existente”, acusou Jerónimo de Sousa, o único dos líderes que marcou uma conferência de imprensa para reagir. Aí, o líder do PCP acusou o Presidente da República de  “procurar subverter a Constituição da República”.

A resposta do Bloco foi bastante diferente. Num comunicado escrito, curtíssimo, este partido assinala o “o recuo do Presidente da República quanto à sua objecção à formação de um Governo do Partido Socialista viabilizado pelos partidos à sua esquerda no Parlamento”. E faz votos para que "o desenvolvimento dos contactos entre o Presidente e o secretário-geral do PS” leve a uma rápida indigitação de António Costa.

As subtilezas de Cavaco
Apesar de o Presidente ter usado a mesma nova figura institucional da “pré-indigitação” do primeiro-ministro, com Passos e com Costa, há vários pequenos detalhes a ter em conta. Desde logo, porque Cavaco Silva pensa nos detalhes e usa-os como forma de passar mensagens. No comunicado que emitiu sobre Costa, o Presidente nunca o trata pelo nome. É sempre o “secretário-geral do PS”. Passos é “o dr. Pedro Passos Coelho”. Em seu tempo, Sócrates era o  “eng.º José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa”.

E a verdade é que exigiu a Costa algo que não exigira a Passos Coelho. Ao líder do PSD pediu “uma solução governativa que assegure a estabilidade política e a governabilidade do País”. Ao do PS pediu algo mais específico: “Uma solução governativa estável, duradoura e credível.”

A sexta condição de Cavaco, que exige um compromisso de António Costa sobre a “estabilidade do sistema financeiro”, foi a que mais críticas levantou. Marcelo Rebelo de Sousa considera-a “estranha” e “insólita”. E o economista Ricardo Paes Mamede recorda que o mesmo não foi pedido a Passos Coelho: “Talvez os banqueiros tenham receio de que o Estado português queira ter uma palavra a dizer sobre a gestão dos bancos cada vez que usar dinheiro dos contribuintes para lhes dar ou emprestar. É normal. Já não é tão normal que o Presidente da República Portuguesa pense da mesma forma que os banqueiros a este respeito.”

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