Presidente não repetiu as "condições" impostas por Sampaio a Santana, inovou

Cavaco Silva exigiu uma “clarificação formal” e não indigitou António Costa, apenas o encarregou de “desenvolver esforços” para um governo "estável e credível".

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Jorge Sampaio colocou condições à direita em 2004 para indigitar Santana Lopes primeiro-ministro CARLOS LOPES

Uma das comparações mais em voga nos últimos dias tem lembrado que, em 2004, o Presidente Jorge Sampaio impôs condições ao Governo liderado por Pedro Santana Lopes – que dispunha de uma maioria parlamentar assegurada por PSD e CDS. Ou seja, existe um precedente na prática política segundo o qual, apesar da vontade do Parlamento, uma manifestação dos poderes presidenciais pode determinar a margem de manobra do Governo.

Onze anos depois desse momento, já muito se discutiu sobre esse discurso presidencial de Julho de 2004. O próprio Jorge Sampaio já considerou que essa opção foi “um erro”: “Fui um bocadinho mais longe, porque tinha que reconvencer. Quer dizer: eu vou dar posse a estes senhores, porque me dizem que a maioria vai funcionar, mas vai funcionar porque eu entendo que é preciso que ela funcione desta e desta maneira. Como se fossem responsáveis perante mim, e eu sabia perfeitamente que não eram.”

Mas há uma diferença fundamental entre as exigências de Sampaio e as “condições” agora colocadas por Cavaco. O primeiro indigitou formalmente Santana Lopes e só comunicou publicamente o que considerava ser politicamente imprescindível durante a tomada de posse do XVIº Governo Constitucional. O actual Presidente fê-lo ainda antes de endereçar a Costa qualquer convite para formar Governo.

Essa é a segunda inovação de Cavaco face a Sampaio. Quer com Pedro Passos Coelho, no dia 6 de Outubro, quer com Costa, nesta segunda-feira 23, o Presidente utilizou uma figura nova. Ao líder do PSD, o Chefe de Estado encarregou-o de “desenvolver diligências com vista a avaliar as possibilidades de constituir uma solução governativa que assegure a estabilidade política e a governabilidade do País”. Ao líder do PS, além do tempo verbal e de uma ou outra subtil diferença (como nunca o referir pelo nome), o comunicado presidencial também o encarregou de “desenvolver esforços tendo em vista apresentar uma solução governativa estável, duradoura e credível”.

Em ambos os casos, nenhum foi, nesta fase (Passos viria a sê-lo, mais tarde), formalmente indigitado para formar Governo. O que torna ainda mais relevante a outra diferença que Cavaco Silva introduziu na relação com os partidos e o Parlamento. O Presidente “solicitou” a Costa uma “clarificação formal” sobre os acordos que este celebrou no Parlamento. Ou seja, uma prova documental. Um papel.

Mas fê-lo a um líder partidário, que nesta fase é apenas um eventual futuro primeiro-ministro. Um antigo alto responsável de Belém considera “estranho” este tipo de pedido: “Estas garantias formais não fazem parte da relação entre responsáveis políticos….”

Sampaio, em 2004, não exigiu à maioria parlamentar que apoiava o Governo mais do que o rigoroso cumprimento do programa do Governo aprovado em 2002. E não houve qualquer “clarificação formal” que fosse exigida a Pedro Santana Lopes, ou aos dois partidos que o apoiavam. Porém, o desfecho da história de então acrescenta outra diferença.

Sampaio podia “ameaçar” o Governo porque dispunha da “bomba atómica”: o poder de dissolver o Parlamento. Viria a fazê-lo, aliás, cinco meses depois, mas sem que tivesse invocado para o efeito qualquer incumprimento das exigências que fizera na tomada de posse. As razões foram outras: “O que faltava manifestamente era uma nova legitimação democrática, aquilo já não correspondia ao sentir das pessoas”, afirmou o ex-Presidente, numa entrevista ao PÚBLICO, há cinco anos.

É sabido que, até Março de 2016, o Parlamento não pode ser dissolvido. Logo, esse é um poder que só o sucessor de Cavaco Silva terá em mãos. Mas é duvidoso que, mesmo que pudesse, o actual Presidente viesse a usá-lo. No passado, colocado perante crises políticas, Cavaco insistiu no risco que essa solução acarreta.

Foi o que aconteceu em 2013, após a demissão de Paulo Portas. No dia 10 de Julho de 2013, para surpresa de muitos, Cavaco Silva apresentou “a solução que melhor serve o interesse nacional”. Consistia, como se sabe, num “acordo de médio prazo entre (…) PSD, PS e CDS”.  “Era da maior importância que os partidos políticos adoptassem, desde já, uma atitude de maior abertura ao compromisso e ao trabalho em conjunto para a resolução dos complexos problemas que Portugal terá de enfrentar no futuro.”

Passos Coelho chegou a dizer, na tribuna do Parlamento, que a intervenção do Presidente até ganharia em ser clarificada: “É preciso trocar aquilo por miúdos”, desabafou o primeiro-ministro, perante os deputados.

O que Cavaco recusava então, de forma clara, eram duas das soluções que voltam a estar em cima da mesa agora, em Novembro de 2015. O Governo de “iniciativa Presidencial”, que o Presidente considerava uma hipótese que “não faz qualquer sentido”. Mas, também, o Governo de gestão. Mesmo que, nessa altura, fosse maioritário no Parlamento. Para Cavaco “um governo de gestão [estaria] limitado na sua capacidade de tomar medidas e de defender o interesse nacional”. Isto foi o que disse em 2013.

Mas a diferença mais radical é a de Cavaco consigo mesmo. Em 2009, perante um resultado eleitoral que não garantia maioria absoluta ao partido mais votado (PS), nem à sua direita (PSD e CDS), Cavaco nem tentou forçar um entendimento “estável” ou “duradouro”. Na altura, bastaria um acordo PS/PSD, ou PS/CDS, ou este que agora está em cima da mesa do PS com o resto da esquerda.

O Presidente não fez, então, nenhuma comunicação ao país, nem “encarregou” Sócrates de nada. Emitiu um comunicado: “Ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados das eleições legislativas de 27 de Setembro, o Presidente da República indigitou hoje o Secretário-Geral do Partido Socialista, Eng.º José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, para o cargo de Primeiro-Ministro.”

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