Negócio de 46 milhões para operar helicópteros do Estado sob investigação

Ex-ministro Miguel Macedo terá enviado caderno de encargo do concurso ao antigo sócio Jaime Gomes, semanas antes da sua publicação.

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Estado comprou seis helicópteros Kamov em 2006. Foto: Paulo Pimenta

O Ministério Público e a Polícia Judiciária estão a investigar no âmbito do chamado processo dos vistos gold o concurso para um privado assegurar a operação e manutenção dos seis helicópteros pesados do Estado, os Kamov comprados em 2006 pelo Ministério da Administração Interna.

A informação foi avançada quinta-feira pelo Correio da Manhã e confirmada pelo PÚBLICO, que apurou que o inquérito está perto de ser finalizado já que a acusação terá que ser proferida até meados deste mês para que o único arguido que ainda está em prisão preventiva, o antigo presidente do Instituto dos Registo e Notariado, António Figueiredo, não seja libertado.

Na origem da suspeita está um e-mail que o ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo terá enviado ao seu antigo sócio Jaime Gomes, ambos arguidos na referida investigação, com o caderno de encargos do concurso público internacional, semanas antes da publicação do mesmo, em Julho de 2014.

Isso mesmo é assumido pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal, que dirige esta investigação, no pedido de levantamento da imunidade parlamentar de Miguel Macedo enviado à Assembleia da República em Junho. Na informação é referido que o então ministro da Administração Interna disponibilizou ao empresário e ex-sócio o caderno de encargos do concurso antes da sua publicitação, sem referir o negócio em causa.

O concurso foi adjudicado em Dezembro do ano passado à Everjets, uma empresa que à época era detida pelo empresário de Vila Nova de Famalicão, Pedro Silva, dono de um importante grupo textil, o grupo Ricon. Houve quatro empresas que apresentaram propostas ao concurso, tendo a Everjets apresentado o valor mais baixo: 46.077.120 euros.

Na altura, contudo, vários concorrentes estranharam o comportamento dos responsáveis da empresa, já que estes não chegaram a levantar o caderno de encargos do concurso, não foram inspeccionar os aparelhos que queriam operar, nem tiveram qualquer dúvida sobre as regras do concurso.

O presidente da Heliportugal, Pedro Silveira, que concorreu através de uma empresa em que tem uma participação, estranhou o comportamento. “Nós fizemos mais de 100 perguntas, a ENAER terá feito cerca de 80 e os búlgaros à volta de 60. Eles nem sequer levantaram o caderno de encargos, nem foram inspeccionar as aeronaves que estavam obrigados a operar se ganhassem”, afirma o empresário ao PÚBLICO.

As duas empresas têm aliás um longo historial de litígios, tendo Pedro Silveira apresentado uma queixa-crime, que ainda está a ser investigada pelo Ministério Público, por falsificação de documentos no âmbito de um outro concurso público, neste caso para o fornecimento de 25 helicópteros de combate a incêndios.

Em Julho, o empresário fez uma outra de denúncia à Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) que envolvia a Everjets no âmbito da operação dos Kamov. Em causa estava o facto de administrador responsável pela Heliavionicslab, a empresa que a Everjets subcontratou para assegurar a manutenção dos helicópteros, ter alegadamente falseado as habilitações para obter uma licença de manutenção em aeronaves.

A Everjets emitiu esta quinta-feira um comunicado onde garante que, “no referido concurso, como em outros em que participou, sempre cumpriu escrupulosamente todas as regras e normas legais”. A empresa diz que concorreu “em condições de igualdade com todos os outros concorrentes” e, realça, “sem recorrer à intervenção do Jaime Couto Alves [Gomes]”, pessoa que o conselho de administração da empresa diz “não conhecer e com quem não tem relações”.

Há que referir, contudo, que os administradores da empresa foram entretanto substituídos, havendo novos responsáveis. Pedro Silva deixou a administração da empresa em Fevereiro, segundo o site do Ministério da Justiça que publica os actos societários on-line. O director operacional da empresa, o comandante José Pereira, manteve-se na empresa. O PÚBLICO contactou esta quinta-feira Pedro Silva, mas este alegou estar ocupado e nunca mais atendeu o telefone. Também o comandante José Pereira se disse impossibilitado de falar com o PÚBLICO, devido a alegadas más condições na ligação porque se encontrava no estrangeiro.

Na nota, a Everjets esclarece ainda “não é obrigada a levantar o caderno de encargos” e diz ser alheia a “quaisquer movimentações ou interesses de ordem político-partidária ou eventuais ajustes de contas entre quem quer que seja”.

A empresa garante que “nada tem a ver com os processos referidos nem com quaisquer alegadas irregularidades e lamenta que o seu bom nome esteja a ser prejudicado na praça pública”. Não responde, no entanto, à pergunta do PÚBLICO, sobre se algum dos profissionais da empresa foi ouvido ou constituído arguido no âmbito da investigação conhecida como vistos gold.

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