Há batatas em Marte
Passa-se em Marte como se se passasse lá em casa. E Matt Damon, o astronauta perdido, é cúmplice disso com a sua bonomia.
Para um género – como lhe chamar, “ficção científica”? – que tem sido tão instrumentalizado, colocado ao serviço de metafísica fácil e ruidosa (o silêncio em Gravity, de Alfonso Cuarón, entrava pelos ouvidos dentro, por exemplo...), Perdido em Marte surpreende por se preocupar, acima de tudo, com a dimensão e gestão de uma economia doméstica, isto é nas suas opções de gastos, apetências e efeitos – isso num filme realizado por Ridley Scott é um acréscimo de novidade.
Mas é verdade: The Martian passa-se em Marte como se se passasse lá em casa. E Matt Damon, o astronauta perdido, deixado pelos colegas no Planeta Vermelho, é cúmplice com a sua bonomia. Aqui nada é questão de claustrofobia, como em Alien, o Oitavo Passageiro (1979, o grande filme de Scott, já agora), nem irrompe fantasmagoria (como em Veio do Outro Mundo, de 1982, ou Fantasmas de Marte, de 2001, ambos de John Carpenter). Para a sua sobrevivência, o micro-herói Matt Damon depende das batatas que cultivou e da forma como gere a sua estufa. Veja-se, a propósito, como é utilizada a canção Starman, de David Bowie: não propriamente à contre-emploi, mas sem ser redundante em relação ao valor icónico de que já é detentora e sem com ela se querer sublinhar o que quer que seja (o que seria expectável e até eficaz); Starman dilui-se na dieta musical (de disco sound) de uma das personagens do filme tal como a deixou ao astronauta que ficou para trás. Um filme modesto.