Todd Haynes demasiado perto do paraíso

Carol é uma história de amor entre duas mulheres com final feliz garantido. Pelo meio, convocam-se os cúmplices do costume e o realizador americano transforma-se num tradutor meticuloso.

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Todd Haynes com as protagonistas, Cate Blanchett e Rooney Mara Regis Duvignau/Reuters
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Cate Blanchett e Todd Haynes na conferência de imprensa Yves Herman/Reuters
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Uma cena de Carol DR
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Todd Haynes entre as suas actrizes, Mara e Blanchet Loic Venance /AFP
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A argumentista Phyllis Nagy, a actriz Rooney Mara, o realizador Todd Haynes, a actriz Cate Blanchett, e os produtores Elizabeth Karlsen, Stephen Woolley e Christine Vachon este domingo em Cannes Loic Venance /AFP
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Em Mon Roi houve química entre os actores Vincent Cassel e Emmanuelle Bercot. Aqui os actores em Cannes Anne-Christine Poujoulat/AFP
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Vincent Cassel e Emmanuelle Bercot em Mon Roi
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A realizadora Maïwenn com o actor Louis Garrel Yves Herman/Reuters
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A realizadora Maïwenn durante a conferência que se seguiu ao filme
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A realizadora Maïwenn

Não é desprimor algum para Haynes. O seu papel em Carol, o regresso do cineasta norte-americano à competição de Cannes depois de Velvet Goldmine (1998), aparenta ser o de um meticuloso tradutor: alguém que se disponibilizou para a respiração da intimidade e para os silêncios de uma história, de um argumento, que era projecto antigo de Phyllis Nagy a que estava associada a actriz Cate Blanchett. Estava em vias de se gorar por indisponibilidade do realizador inicialmente escolhido, até que houve uma fértil conversa telefónica com Christine Vachon, produtora e cúmplice de sempre de Haynes, que faz seu o projecto com outra distintiva intervenção, a de Ed Lachman (Longe do Paraíso, I’m not There, Mildred Pierce), prodigioso a reconstituir uma Nova Iorque velada pelo moralismo e encoberta pelas convenções que a protegiam naqueles anos 50.

É este o quadro da história de amor entre as personagens de Blanchett e Rooney Mara (allure de Audrey Hepburn), história e silêncios entre as palavras e ar que (mal) se respira, história de aproximações e distâncias que as duas personagens tomam, pesos e domínios que se transferem e que fazem a performance das emoções – até chegar ao happy end, porque sobre esta história de Highsmith diz-se sempre que é uma das raras histórias de amor entre lésbicas com final feliz.

Pode-se olhar para o cinema de Haynes de várias maneiras, uma delas permite encontrar nele uma história da vida privada na América dos anos 50, um arquivo de gestos, comportamentos – e guarda roupa. Carol é, em tudo, um filme de Todd Haynes, se bem que a componente sirkiana que por automatismo se passou a associar à sua obra, uma realidade intensificada pela histeria emocional, já tinha sido domada, e o realismo tintado com outras cores, na mini-série Mildred Pierce (2011). Lachman confirmou aqui que foi essa a referência para Carol. E de alguma forma, o modelo de série televisiva, naquilo que ele pode ter de redondo, confinado aos seus limites, parece ter-se prolongado para Carol – mas é coisa de luxo, para admirar, mesmo que nela Todd Haynes esteja demasiado perto de um certo paraíso do gosto, da convenção, da carpintaria de argumento e da construção de personagens.

Química de actores
No oposto da claustrofonia milimetricamente controlada que faz o cinema de Todd Haynes, está Mon Roi, de Maïwenn (Prémio do Júri em Cannes 2011, por Polisse). O “rei” do título é a personagem de Vincent Cassel. Quem está subjugada por ele é a personagem de Emmanuelle Bercot (actriz que é também a realizadora de La Tête Haute, o filme que fez a abertura, e igualmente em competição, desta 68.ª e dição).

O filme passa-se num arco temporal de dez anos, o de uma relação conjugal e suas turbulências, e é construído através de flashbacks: a personagem de Bercot está num centro de terapia a recuperar de um acidente de ski e passa em revista a violência da sua relação com a personagem de Cassel - o que não é propriamente um prodígio de subtileza, esta associação do corpo e do emocional, e arquiva Mon Roi na gaveta de filme de reabilitação sentimental (um dos dados de Polisse, aliás), e com final de superação feminina no horizonte a comprovar-se. Que felicidade!

Há química entre Cassel e Bercot: o perigo dele, a reserva e a desconfiança dela, ele volátil e imprevisível a inundar tudo, ela com os pés na terra a fazer barragem ao tsunami. É uma bela reação química que se observa, mas desenrola-se sozinha. O que Maïwenn consegue fazer? Nem sequer um catalisador, porque a presença do realizador vai-se progressivamente diluindo até desaparecer, continuando a desenrolar-se sozinho algo que faz figura de um filme.

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