O infinite Burton
Este Burton sotto voce consegue falar mais do que os últimos filmes do cineasta, que se limitaram a reproduzir a imagem de marca.
Se concordarmos que a partir de O Planeta dos Macacos (2001) o fulgor criativo começou a perder intensidade (ainda assim capaz de A Noiva Cadáver, em 2005, e Sweenney Todd, em 2007, que fizeram figura, no contexto, de tour de force), então Alice no País das Maravilhas (2010) e Sombras na Escuridão (2012) foram a passagem de um “infinite” Burton para o “infinite” kitsch – para citar, de Olhos Grandes, a observação que uma personagem faz da obra de Margaret Kane/Amy Adams, tal como reproduzida e comercializada pelo marido, o impostor Walter (Christoph Waltz).
, e talvez não seja possível ignorá-lo, é um momento que, estando (ainda) na vizinhança da menoridade, traz um silêncio significativo: passa por aqui uma reflexão de Burton que não pode deixar também de o incluir, de incluir o “infinite”
kitschque espalhou a partir das suas marcas de autor. Veja-se como o peso do filme se transfere do histrionismo de Walter (Waltz em pouco tempo de carreira começou logo a fazer mais do mesmo...) para a contenção de Margaret, como se através dela, e apesar da sua aparente passividade, procurasse resgatar uma interioridade perdida – não só da personagem, também da obra.
A ser assim, Amy Adams é uma espécie de consciência de Burton. Se em relação à sua personagem o argumento de Scott Alexander e Larry Karaszewski volta, como em Ed Wood (1994), a suspender qualquer julgamento sobre o valor artístico de um trabalho, Margaret não é aqui um mero Ed Wood de saias; é um passo, apesar da aparente imobilidade da personagem, para um regresso de Burton a si próprio – é um risco dizê-lo, pode-se estar a tomar desejos por realidade, mas a suspensão que Olhos Grandes instala seduz.