Irlanda perto do FMI e Portugal é outra vez o "segundo na linha"

Durante o dia de ontem, com os mercados a acreditarem cada vez menos na capacidade irlandesa para evitar a ruptura financeira, a crise da dívida pública na zona euro voltou a atingir a gravidade sentida nas vésperas da cimeira de 9 de Maio, quando os países da UE decidiram criar, com o FMI, um fundo para ajudar os países em dificuldade.

Mais uma vez, Portugal assume o papel de "segundo na linha", com os mercados a mostrarem, através das taxas de juro que exigem para emprestar dinheiro, que, se a Irlanda não resistir, será a vez de testar Portugal. Como afirmava ontem à Reuters um analista de mercado da city londrina, "o problema é que, se a Irlanda obtém a ajuda, o mercado vai passar a perseguir Portugal, e depois a Espanha".

Aparentemente, já pouco resulta na tentativa de parar esta "bola de neve". O Banco Central Europeu continua a comprar obrigações de tesouro irlandesas e portuguesas, a chanceler alemã, Angela Merkel, apela a uma melhor compreensão da sua proposta para o fundo europeu e Durão Barroso diz que a UE está pronta para ajudar. Mas todas estas acções não estão a ser suficientes para travar a tendência de subida dos juros da dívida, que atingiram novos máximos nestes dois países e que subiram também na Espanha e Itália.

Os juros das obrigações nacionais chegaram, momentaneamente, a ultrapassar a barreira dos 7,5 por cento, ao início da manhã, caindo depois para um valor acima dos 7,3 por cento (dados da Reuters). O prémio exigido pelos investidores para comprar obrigações a 10 anos portuguesas face às alemãs chegou a atingir os 500 pontos base, um nível nunca registado.

Irlanda, depois da Grécia

No entanto, é na Irlanda que se focam agora as atenções dos mercados, sendo a evolução das taxas portuguesas um reflexo daquilo que se passa no antigamente denominado "tigre celta".

Apesar de os responsáveis políticos irlandeses recordarem que o Estado já assegurou as suas necessidades de financiamento até meados do próximo ano, os investidores temem que a situação do sector bancário irlandês, que já está sob a responsabilidade do Estado, se venha a deteriorar ainda mais, exigindo novas injecções de capital de grande dimensão.

Com a ajuda das medidas de austeridade impostas para reequilibrar o orçamento, a economia irlandesa e o rendimento disponível das famílias estão a cair de forma acentuada, o que aumenta o nível já elevado do malparado no crédito concedido pelos bancos. Se houver necessidade de injectar capital noutro banco, as contas públicas podem entrar em ruptura.

É por isso que, na Irlanda, os juros continuam a subir para níveis cada vez mais próximos dos da Grécia. As taxas a 10 anos romperam ontem a barreira dos nove por centro, atingindo, ao final da tarde, os 9,233 por cento. De um grupo de dez economistas e estrategos de obrigações contactados pela Reuters, dois terços prevêem que o país não consiga evitar o resgate até ao final de 2011.

O cenário global do mercado também não ajuda. Todos os países periféricos, incluindo Portugal, vão precisar de levantar muitas dezenas de milhares de milhões de euros para cumprir com os seus compromissos, e essas verbas podem não estar disponíveis. Perante a escassez de dinheiro, ou há resgate através do fundo de estabilização da UE e do FMI ou há o incumprimento parcial no reembolso de dívidas contraídas, calculam alguns analistas. E, para que não restem dúvidas sobre o pânico dos investidores, quem está a vender obrigações no mercado está neste momento a fazê-lo com prejuízo face ao valor de compra, porque, sempre que a taxa de juro sobe, o valor unitário da obrigação desce.

Ajuda pronta

Ontem, directamente de Seul, Durão Barroso procurou acalmar o nervosismo dos mercados financeiros ao afirmar que a UE está preparada para a eventualidade de socorrer os países com dificuldades de financiamento no mercado. "O que é importante saber é que temos todos os instrumentos essenciais na UE e na zona euro para agir, se necessário", afirmou. Referindo-se especificamente ao caso da Irlanda, Barroso precisou que a Comissão está a acompanhar a situação "numa base permanente".

Bruxelas frisa que Dublin não fez qualquer pedido para a activação do novo Fundo Europeu de Estabilização Financeira, dotado de uma capacidade de financiamento até 750 mil milhões de euros.

O novo fundo só poderá ser activado mediante um pedido formal de um Governo, que terá de se submeter, em contrapartida, a uma rigorosa cura de austeridade para corrigir rapidamente o problema que gerou a desconfiança dos mercados. A sua activação, que precisa do acordo unânime dos países do euro, poderá incluir a recapitalização dos bancos que enfrentem dificuldades de financiamento.

Klaus Regling, o director do EFSF, disse recentemente que, entre a formulação do pedido de ajuda e a disponibilização dos fundos, serão necessárias "três a quatro semanas". Este prazo permitirá, nomeadamente, acordar os programas de austeridade dos países em causa, cujo cumprimento será seguido a par e passo pela Comissão Europeia e pelo FMI.

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