As castas são filhas da mãe — e do pai (parte II)
Portugal poderá em breve ser reconhecido como o país com mais castas no mundo. Temos cerca de 250 variedades enquanto os italianos têm mais uma dezena do que nós, mas, tendo em conta a dimensão territorial comparativa, somos líderes. Ou seja, Portugal tem 2,7 castas por quilómetro quadrado, enquanto Itália tem 1 casta e Espanha e França aparecem com 0,4 castas para a mesma unidade de medida. A equipa do Instituto Superior de Agronomia e da Porvid, liderada por Antero Martins e Elsa Gonçalves, prepara-se, no final do ano, para anunciar novas castas descobertas nas vinhas velhas portuguesas. Tudo isto é resultado de um trabalho de investigação com décadas e que deu origem à escola portuguesa da Selecção Policlonal, a qual não só preserva a riqueza das castas como garante material genético para que os viticultores possam adaptar-se às mudanças climáticas e às tendências do mercado.
A Arca de Noé e a escola portuguesa
Seleção clonal versus seleção policlonal
A partir de 1984 o grupo do professor Antero Martins, do Instituto Superior de Agronomia, criou uma escola de conservação e seleção da videira que passou a ser designada por Seleção Policlonal, por oposição à corrente dominante que era – e em muitos casos ainda é – a Seleção Clonal. A tese de Antero Martins e da sua equipa parece elementar aos olhos de hoje, mas sua aceitação por parte de outras escolas europeias, e da OIV, demorou décadas. Isto porque era uma tese portuguesa que punha em causa o pensamento tradicional e fortemente sedimentado de outros importantes países vitícolas.
Desde que a ciência começou a meter-se nos assuntos da agricultura que a questão foi sempre a mesma: produzir o máximo com o menor custo possível. Daqui resultou - no reino vegetal mas também no reino animal - a seleção cada vez mais afunilada dos melhores espécimes e com a consequente eliminação dos mais fracos.
No caso da viticultura esse pensamento foi levado a um extremo tal (numa vinha de determinada casta só se plantavam um, dois ou três clones) que, em muitos casos, se destrui a riqueza da diversidade de algumas castas – um problema sério no curto, médio e longo prazos.
Convém percebermos que uma casta tem, com os seus defeitos e virtudes, uma riqueza genética enorme. Castas há que chegarão a ter milhares de genótipos diferentes. E se alguns desses genótipos são responsáveis por características que conduzem ao aumento considerável produção de fruta ou ao aumento de boas percentagens de açúcar nos bagos, outros há que são sensíveis a certas doenças ou apresentam-se com determinada carga viral.
A tese da seleção clonal consiste na eliminação dos ditos maus genótipos, permitindo ao agricultor cultivar apenas as plantas com os bons genes de um só genótipo. Em consequência, temos hoje vinhas geneticamente mais pobres, perda de diversidade e riscos acrescidos de irregularidades de produção (e de outras características importantes) porque, com tal afunilamento genético, as vinhas ficam expostas a um vasto conjunto de factores ambientais (secas, chuva em excesso, tempestades e outros).
Ora, o que o grupo de Antero Martins observou foi que quanto maior é a variabilidade genética de uma mesma casta numa determinada vinha, maior é segurança de conservação da diversidade e – cereja em cima do bolo – maiores são as produções. Porquê? “Bom, se eu tiver uma vinha de uma casta com dois ou três clones, eu, perante as questões ambientais, tenho uma proteção muito pobre (se forem atacadas por uma razão qualquer eu perco a produção). Mas se na mesma área eu tiver entre 7 e 20 clones diferentes, não só estou muito mais protegido porque umas vão compensar as outras, como – temos isso provado em múltiplos ensaios – tenho sempre ganhos de rendimentos que nalguns casos são muito significativos”. O quadro que aqui publicamos dispensa mais explicações.
Ou seja, a escola portuguesa é um quatro em um: cria um imenso banco de germoplasma das videiras autóctones; assegura essa riqueza para o futuro (consoante as necessidades e as modas), disponibiliza material policlonal aos agricultores e, ainda por cima, aumenta os rendimentos destes. Neste momento, Portugal tem um reservatório com 30 mil genótipos da videira, enquanto França tem 20 mil, sendo que o objectivo da equipa da Porvid é chegar aos 50 mil genótipos dentro de 4 anos. Um recorde mundial.
Como é que tudo isso funciona?
Campo 1
Ao longo décadas, dezenas de técnicos andaram – e ainda andam – pelas vinhas velhas de todo o país, a recolher exemplares das castas portuguesas, num trabalho da Associação Portuguesa para Diversidade da Videira (PORVID). Cada genótipo de cada casta é depois replicado por quatro e fica plantado em vasos num polo central em Pegões. Como algumas castas são comuns a Portugal e Espanha (caso da Tinta Roriz ou Aragonês versus Tempranillo), também existem em Portugal clones colhidos em regiões espanholas.
Campo 2
A partir da diversidade e da riqueza genética das castas que estão no polo de Pegões instalam-se largas dezenas de campos experimentais espalhados pelo país. E é a partir destes campos experimentais que se faz a distribuição de material policlonal para os agricultores. De acordo com a equipa da Porvid e com a legislação de certificação dos materiais de propagação o número de clones do material policlonal pode variar entre os 7 e os 20 genótipos.
O aumento de rentabilidade das castas com o método da Seleção Policlonal
Veja também As castas são filhas da mãe — e do pai (parte I) .