O FBI entrou num iPhone, mas a guerra com a Apple não acabou

Autoridades norte-americanas desistem de acção judicial contra a empresa na Califórnia, mas há pelo menos uma dúzia de outras em todos os EUA.

Foto
A contenda com a Apple chegou a motivar manifestações à porta do FBI Chip Somodevilla/AFP

O FBI anunciou que conseguiu entrar no iPhone de um dos terroristas de San Bernardino, com a ajuda de terceiros – provavelmente, de uma empresa israelita especializada na recuperação de dados de telemóvel e que há muito trabalha para o Governo norte-americano. Mas se esta batalha entre o Departamento de Justiça norte-americano e a Apple pode ficar por aqui, a guerra pelo acesso das forças de segurança à informação que armazenamos nos aparelhos que se tornaram extensões de nós próprios está apenas a começar.

“Continua a ser uma prioridade do Governo garantir que as forças de segurança possam obter informação digital crucial para proteger a segurança nacional e a segurança pública, seja com a cooperação das partes, ou através do sistema de justiça, quando não houver cooperação”, afirmou a porta-voz do Departamento de Justiça, Melanie Newman, ao anunciar que o FBI ia retirar o processo contra a Apple na Califórnia porque tinha conseguido entrar no iPhone 5C de Syed Rizwan Farook, um dos atiradores que matou 14 pessoas em San Bernardino, naquele estado, em Dezembro passado.

A Apple tinha-se recusado a cooperar com o FBI, que exigia um software que contornasse os sistemas de segurança do iPhone – isso colocaria em causa toda a segurança da Internet, pois uma “porta dos fundos” como essa acabaria por facilitar a vigilância governamental sobre todos os outros produtos da Apple. As garantias do Governo de que só estava em causa o telefone do atacante não são consideradas credíveis, até porque desde Setembro foram abertos em tribunal nos EUA pelo menos uma dúzia de processos semelhantes aos de San Bernardino, em que o Governo norte-americano exige que a Apple contorne os seus próprios sistemas de encriptação, para aceder ao conteúdo dos telemóveis de suspeitos.

Em Brooklyn (Nova Iorque), onde o Departamento de Justiça pretende obrigar a Apple a tornar-se hacker do seu próprio iPhone, neste caso um aparelho utilizado por um traficante de droga, esta terça-feira a acusação não revelou se o avanço anunciado relativamente ao caso da Califórnia ia modificar a sua posição. Numa carta ao juiz, os procuradores concordaram com o pedido dos advogados da Apple em adiar a próxima sessão do julgamento até 11 de Abril.

No entanto, o argumento do Departamento de Justiça de que a empresa teria de cooperar porque apenas a empresa de Cupertino (Califórnia) poderia fornecer a chave para abrir os iPhones parece ter caído por terra, pelas mãos do próprio Governo federal. Embora não seja avançada da identidade de quem ajudou as forças de segurança a entrar no telemóvel do terrorista – ou se foi possível recuperar alguma informação útil – o jornal israelita Yedioth Ahronoth e a Reuters avançam o nome da empresa Cellebrite.

Esta empresa, especializada em técnicas forenses digitais, tem um contrato com o FBI desde 2003, diz o jornal israelita, e com várias outras agências governamentais americanas. Possui uma tecnologia capaz de extrair informação útil de telemóveis para investigações criminais, ainda que estes estejam bloqueados.

O que vem a seguir

Mas seja como for que o FBI tenha conseguido entrar no iPhone 5C com sistema iOs 9 de Farook, a Apple vai querer sabê-lo, porque na verdade foi encontrada uma falha de segurança nos seus produtos — e a segurança é um dos seus ex-libris. A questão agora é saber se o FBI vai revelá-lo.

Alguns especialistas em segurança acham que o FBI será obrigado a fazê-lo – quando, é que não se sabe. Entre o final do ano passado e o início de 2016, foram conhecidos parcialmente os contornos (ao abrigo da lei da liberdade de informação) da política do Governo dos EUA quando descobre bugs informáticos, no decurso de operações de espionagem, ou de investigação criminal relevantes para empresas. Essas falhas podem ser perigosas para as companhias, e também para a segurança do país, mas podem também ser interessantes para os serviços de segurança. Mas a avaliação do que fazer é deixada a cargo da Agência Nacional de Segurança (NSA).

O mais recente desenvolvimento vai afectar a discussão entre privacidade e segurança. “Quando o FBI disser em tribunal que não pode entrar num telemóvel, os juízes devem apreciar essa alegação com maior cepticismo”, disse ao Los Angeles Times Gregory Nojeim, conselheiro no Centro para a Democracia e Tecnologia. “E o Congresso deve ficar ainda mais hesitante do que já estava quanto a aprovar nova legislação que torne imperativo para  a Apple fazer ‘portas dos fundos’. Acho que essa ideia pode ser agora afastada.” 

Sugerir correcção
Ler 8 comentários