Era uma vez o Twitter em #Portugal

Ao longo de uma década, a rede social conhecida pelos 140 caracteres tornou-se uma ferramenta de comunicação global. Alguns utilizadores portugueses estão activos quase desde o início.

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O Twitter ganha dinheiro com várias formas de publicidade. No ano passado, as receitas dispararam 58%, para 2118 milhões de dólares (1950 milhões de euros)

Em 2006, 140 caracteres pareciam ser mais do que suficientes para a maioria das pessoas que começava a experimentar o então recém-chegado Twitter – incluindo para as que aderiam ao serviço em Portugal. Essas primeiras mensagens mostram (em inglês e em português) uma mistura de conversas informais, desejos de partilhar banalidades e incompreensão da ferramenta (algo que ainda não se dissipou inteiramente, mesmo na cabeça de quem gere a rede social entretanto transformada em empresa de pouco sucesso financeiro).

A 26 de Setembro de 2006, um utilizador chamado Pedro Chichorro anunciava para quem o seguisse: “Doente em casa.” No mesmo dia, um outro recém-chegado, Nelson Delicado, escrevia “leaving work and going home!” (a sair do trabalho e a ir para casa). Um dia depois, Tito de Morais, especialista em segurança de jovens na Internet, era mais palavroso e mais críptico: “A ver o que é isto do Twitter... no meu tempo, twitter eram umas coisas nas ‘calúnias’...” No mês seguinte, Ricardo Pinho, que se descreve no seu perfil do como “filósofo e/ou humorista”, declarava, numa dúvida premonitória do que viria a ser a história da rede social: “Estou a pensar para que serve o Twitter.” Em Novembro daquele ano, Ricardo Bernardo, então um blogger, estreava-se na plataforma, com uma mensagem particularmente sucinta: “Nada.”

As mensagens foram compiladas a partir da funcionalidade do Twitter que permite ver a primeira mensagem publicada por cada conta (pelo menos, as que não tiverem sido apagadas ou tornadas privadas). Estes não são necessariamente os utilizadores mais antigos, mas  todos se estrearam na plataforma apenas meses depois de esta ter sido lançada nos EUA, em Março de 2006. O PÚBLICO falou com alguns dos pioneiros que ainda estão activos e que partilharam a história de como viram evoluir o Twitter ao longo de uma década. Foi um caminho que acabou por tornar a ferramenta um meio de comunicação para políticos, celebridades, instituições e imprensa, mas cujo crescimento está a estagnar e que luta para tentar transformar milhões de utilizadores activos num negócio saudável.

Aqueles primeiros tempos do Twitter são descritos quase como sendo uma sala de chat, com um ambiente de alguma familiaridade e um número limitado de pessoas. Depois, foi-se tornando um lugar muito mais barulhento.

“Aderi ao Twitter um bocado sem saber ao que estava a aderir”, conta Tito de Morais, responsável pelo projecto Miúdos Seguros na Net. “Entre 2006 e 2009, lembrava-me um pouco o IRC [ferramenta de conversação] do final dos anos 1990. Eram frases muito curtas. E o ambiente inicial... Em 2006, éramos meia dúzia.” O IRC está na memória de muitos dos que usavam a Internet antes dos anos 2000. As salas de chat, várias delas temáticas, serviam todo o tipo de propósitos. Tal como no Twitter, havia abreviações e códigos próprios de escrita, mas o anonimato era então muito mais frequente do que é hoje.

Tito de Morais diz que a primeira mensagem que o Twitter mostra como sendo sua não é, afinal, a primeira: “As iniciais eram umas asneirolas que eu julgava que estava a enviar por SMS a um amigo.” É esta funcionalidade que explica o famoso limite de 140 caracteres: a rede social nasceu dentro de uma empresa californiana de podcasts chamada Odeo e foi concebida como uma espécie de rede de SMS na Internet, em que uma mensagem podia ser difundida para várias pessoas, com o objectivo de dar a conhecer o que se estava a fazer num dado momento. Na altura, era possível enviar mensagens – ou tweets, como se tornaram conhecidos na gíria – por SMS (uma opção ainda disponível nos EUA).

Nos primeiros anos, tudo era muito mais calmo. Ricardo Bernardo, hoje fotógrafo, recorda que até se podia ter dado ao luxo de escolher um nome de utilizador com o seu nome verdadeiro, algo que é hoje praticamente impossível e que obriga os utilizadores a todo o tipo de criatividade, desde o acrescento de números e letras, até alcunhas várias. “Podia ter escrito Ricardo Bernardo ou mesmo Ricardo. Na altura não o fiz por uma questão de anonimato. Tinha um blogue, que era o Zone 41, daí o nome.”

Há dez anos, os blogues ainda faziam as vezes de rede social online. A relativamente pequena (e circular) blogosfera portuguesa ia experimentado o Twitter. Pessoas que se conheciam por fazerem links para os posts uns dos outros ou das caixas de comentários passaram a conversar também neste novo espaço. Outros utilizadores chegavam atraídos pela curiosidade, por uma nova e sucinta forma  de comunicar e pela possibilidade de proximidade digital com algumas celebridades e figuras públicas (contrariamente ao Facebook, no Twitter, é possível seguir pessoas sem que essa relação seja recíproca). Também se tornou uma fonte de informação, especialmente eficaz para quem quer acompanhar em tempo quase real eventos que se estão a desenrolar, como um protesto, um atentado ou uma catástrofe natural.

“Tinha um atractivo muito grande que era a facilidade de acesso a figuras públicas”, aponta Tito de Morais, acrescentando que “os jornalistas também estavam muito presentes no Twitter.” Um deles era Paulo Querido, um jornalista veterano que há muito escrevia sobre tecnologias de informação. Não foi dos primeiros a chegarem à rede - aconteceu em Abril de 2007 -, mas foi durante alguns anos uma das vozes portuguesas com mais alcance na plataforma e, nas palavras do próprio, uma voz hiperactiva (houve quem se desse ao trabalho de criar blogues e contas que satirizavam esta hiperactividade). “O Twitter valeu-me, seu eu querer, um pouco de reconhecimento público, aumentou um bocadinho a minha projecção dentro daquele círculo”, conta Querido. “Fui uma das primeiras celebridades – se é que posso usar esse nome – do Twitter português, uma coisa que sempre detestei.”

Mesmo tendo praticamente abandonado o Twitter, Paulo Querido tem hoje perto de 89 mil seguidores e a sua conta publicou nos últimos nove anos 107 mil tweets, vários dos quais através de serviços de publicação automática. “Mesmo quando eu não estava [activo], a minha conta estava.”

Os meios de comunicação também foram aderindo à plataforma. A primeira mensagem do PÚBLICO data de Março de 2007. Mas a conta foi aberta por um leitor, que, mais tarde, aceitaria transferir o controlo para o jornal.

Naqueles primeiros tempos, muitas pessoas ainda usavam o Hi5 ou o MySpace e os jornais ainda sentiam necessidade de explicar o que era o Facebook. O crescimento do Twitter foi então explosivo. Um ano após o lançamento, eram enviados 50 mil tweets por dia. Em 2008, eram 300 mil. Em 2009, 35 milhões. Em 2013, o Twitter tinha 241 milhões de utilizadores mensais em todo o mundo. Destes, metade recorria diariamente à plataforma para partilhar notícias, fotografias e pensamentos avulsos, para convocar manifestações, criticar regimes políticos e comentar o pequeno-almoço. Mas os sinais de estagnação começavam a aparecer. No final de 2014, eram 288 milhões de utilizadores. No final de 2015, o número de utilizadores estava nos 320 milhões, praticamente o mesmo que três meses antes. O Facebook é cinco vezes maior.

A empresa não divulga dados específicos sobre Portugal. Mas há indicações de que é uma ferramenta de nicho. Um estudo do Observatório da Comunicação (com base em inquéritos) indica que, em 2014, apenas 11% dos utilizadores de Internet diziam usar o Twitter. 

O negócio também não é lucrativo. O Twitter ganha dinheiro com várias formas de publicidade. No ano passado, as receitas dispararam 58%, para 2118 milhões de dólares (1950 milhões de euros). Mas a empresa tem vindo a acumular prejuízos. Em 2015, as perdas anuais ascenderam aos 521 milhões de dólares.  

Os próprios responsáveis pela rede social já reconheceram que um dos problemas em angariar novos utilizadores é a dificuldade de uso da plataforma. Os utilizadores mais entusiastas do Twitter foram desenvolvendo uma linguagem própria, cujas nuances nem sempre são fáceis de perceber. Um exemplo: surgiram siglas como RT (usada para assinalar as cópias, ou retweets, até surgir com um botão próprio para isto) e MT (semelhante à anterior, mas indicando que o tweet original foi modificado). A sigla CC veio de empréstimo dos emails para chamar a atenção de pessoas para uma mensagem (significa “carbon copy”, embora há quem tenha aportuguesado para “com conhecimento”). E, claro, há as afamadas hashtags. São palavras precedidas por um cardinal, que servem para identificar uma mensagem como pertencendo a um assunto (#legislativas), mas que também são usadas como forma de acrescentar significados (muitas vezes, ironia) à mensagem.

Outro problema do Twitter é a concorrência. Mesmo para lá do Facebook, são muitas as redes sociais e novas plataformas de comunicação online (como o Instagram ou o Snapchat) e o tempo dos utilizadores não estica. “O Facebook foi uma grande concorrência do Twitter em termos de atenção e acabou por ganhar”, diz Paulo Querido. “Não há tempo para tudo e é preciso escolher. E acabei por escolher dar mais tempo ao Facebook.” De uma atenção quase constante há uns anos, Querido passou a ir ao Twitter umas duas vezes por semana, quase sempre em busca de informação específica.

Tito de Morais também seguiu o mesmo caminho: “O Facebook começou a ter mais interesse. Ia usando os dois paralelamente, mas começava a ter muito mais feedback no Facebook. Manter a presença nas duas plataformas começava a ser uma carga de trabalhos…” Ricardo Bernardo, por seu lado, diz que a rede se foi tornando “muito barulhenta” e que hoje a vê sobretudo “como uma forma rápida de saber o que está a acontecer”. Mas, sublinha, não deixou de ser um espaço de conversa. “Tenho pessoas próximas com quem as vezes que falamos continuam a ser pelo Twitter. Continua a ser uma ferramenta que me coloca junto de pessoas e tenho-as conhecido pessoalmente.”

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