Uma concessão polémica uniu o Algarve contra o petróleo

A perspectiva de prospecção e exploração de petróleo dentro de zonas protegidas gerou uma aliança inesperada na região entre autarcas, ambientalistas, empresários, cidadãos e estrangeiros. Os protestos concentram-se nas sondagens em terra e contra os riscos do petróleo de xisto

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Depois de suspensa a continuação da perfuração, ficaram as águas com resíduos RUI GAUDÊNCIO
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Para lá da ilha da Culatra, a prospecção de petróleo do consórcio Repsol-Partex RUI GAUDÊNCIO
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Movimento de cidadãos Preservar Aljezur junto ao terreno das perfurações RUI GAUDÊNCIO
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Membros do grupo Preservar Aljezur assistiram à saída da perfuradora RUI GAUDÊNCIO
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José Cruz, 71 anos, antigo pescador, elogia a iniciativa de Sousa Cintra RUI GAUDÊNCIO
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Manuel Sardo, 82 anos, diz que o petróleo "só pode trazer dinheiro" RUI GAUDÊNCIO

Na fachada do edifício da Câmara de Aljezur está pregada uma enorme cruz vermelha com a seguinte inscrição: “Petróleo e gás no Algarve? Não! Obrigado.” O presidente, José Amarelinho, conta que a ideia partiu do grupo Preservar Aljezur, um movimento cívico de locais contra o petróleo. “Com muito orgulho, exibimos este símbolo que representa, também, a nossa posição”, declara o autarca, que é socialista.

Por estes dias, é assim no Algarve, políticos e ambientalistas do mesmo lado, uma singular aliança que não fica por aqui. De Aljezur a Vila Real de Santo António, do litoral às zonas serranas, aos autarcas dos 16 municípios e aos ambientalistas juntam-se os empresários, cidadãos em geral e estrangeiros a viverem na região. Dizem “não” à prospecção de petróleo e gás natural no Algarve.

As pesquisas petrolíferas em Portugal datam dos anos 1940. O presidente da Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC), Paulo Carmona, afirma que tudo não tem passado de “indícios”, apenas com utilidade para o conhecimento científico. Mas as empresas concessionárias — Repsol, ENI, Galp, Partex e Portfuel — continuam a investir milhões à procura de algo que dizem não ter interesse comercial.

A indústria do petróleo espanhola aproximou-se do Algarve, de forma mais persistente, quando a Repsol, há 18 anos, deixou de retirar gás da bacia de Cádis. Ao fim de 40 anos de actividade nessa zona, a companhia deu por terminada a exploração.  Assim, subiu o interesse pelos hidrocarbonetos da costa algarvia, geograficamente inserida na mesma zona geológica da vizinha Espanha.

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Para lá da ilha da Culatra, a prospecção de petróleo do consórcio Repsol-Partex Rui Gaudêncio

A queda dos preços do crude nos mercados internacionais, nos últimos anos, não ajudou a pôr em prática as propostas que defendiam uma passagem rápida à fase de exploração, dando seguimento às pesquisas que decorrem desde os anos 1940. As circunstâncias acabaram por forçar as parcerias entre consórcios, com vista a diminuir os riscos do investimento nesta actividade.

No final do mandato do Governo de Passos Coelho, em Setembro, Sousa Cintra, empresário com historial no sector do imobiliário turístico, surpreendeu ao aparecer como industrial dos petróleos, de forma isolada, através da empresa Portfuel, com licença para explorar, em terra, os blocos de Aljezur e Tavira — correspondem a 2300 quilómetros quadrados, 46% da área do Algarve. A Portfuel adquiriu os direitos de concessão por “negociação directa” dez dias antes das eleições legislativas.

Das 15 concessões atribuídas pelo Estado e com contratos assinados em 2007, 2011 e 2013, a que foi entregue a Sousa Cintra é a que menos pagará ao Estado, no caso de vir a comercializar petróleo e gás: entregará 3% da receita nos primeiros cinco milhões de barris, podendo chegar aos 8%, depois de deduzidas todas as despesas.

Sousa Cintra começou paralelamente a fazer furos para, alegadamente, captar água, no lugar do Perdigão, em Aljezur, dentro da área de concessão. A empresa autorizada para tal é a Domus Verde, Empreendimentos Imobiliários, controlada por si através de outra empresa.  

As licenças foram atribuídas pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) à Domus Verde com a justificação de que necessitava de água para o cultivo de hortícolas. O primeiro furo, a 14 de Novembro, não teve êxito. A quantidade e qualidade da água, ferrosa, não foi o desejado pelo investidor. A 16 de Março, a empresa fez uma nova captação, com água em abundância.

A população local interrogou-se: o empresário quer água ou petróleo? A presença de um geólogo da Portfuel a acompanhar os trabalhos adensou as suspeitas.

A população, diz o autarca de Aljezur, “desconfiou, e bem, de que podia ser uma forma mascarada de se já estar a dar início à pesquisa de hidrocarbonetos”. A média da profundidade de furos da zona, acrescenta, varia entre 50 e 100 metros. A licença da Domus Verde permitia-lhe chegar a 500 metros.

“Batata-doce de ouro”

Os populares suspeitaram de que os furos não se destinavam a alimentar a rega do cultivo da batata-doce de Aljezur, como é tradição no concelho. É que, quando chegar a fase da exploração de hidrocarbonetos, com o recurso ao fracking, vão ser necessárias grandes quantidades de água, numa região em desertificação. Luís Ribeiro, professor no Instituto Superior Técnico e um dos contestatários, estima um gasto “entre 7,5 e 39 milhões de metros cúbicos de água” por cada furo.

O autarca socialista acrescenta que, por enquanto,  a Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis só autorizou pesquisas à superfície, através de sonar.  Entretanto, a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP), que junta grupos ambientalistas e está aberta a cidadãos, apresentou uma queixa à Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, sugerindo que a pretensa actividade agrícola poderia ocultar interesses relacionados com hidrocarbonetos.

Por sua vez, a APA ordenou uma “acção inspectiva extraordinária”.

Na quarta-feira, o director regional desta entidade de fiscalização ambiental, Sebastião Teixeira, mandou suspender a continuação da execução do furo, quando ia nos 380 metros de profundidade.

“A medição do caudal de 30 metros cúbicos/hora revelou ser mais do que suficiente para a rega”, justificou este responsável, em declarações ao PÚBLICO, acrescentando que o primeiro furo ficara pelos 150 metros por “apresentar água de má qualidade”. E assim, a meio da semana, a máquina perfuradora abandonou a propriedade.

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Depois de suspensa a continuação da perfuração, ficaram as águas com resíduos RUI GAUDÊNCIO

Um grupo de activistas do movimento cívico Preservar Aljezur aguardava o momento. Depois de um coro de aplausos, abrem-se sorrisos de satisfação, mas fica no ar a pergunta: será que Cintra desistiu, também, da pesquisa e captação de petróleo e gás? Quem o conhece, assegura que o homem que lutou para urbanizar Vale da Telha e outras zonas protegidas da Costa Vicentina não estará disposto a recuar voluntária e gratuitamente. “Homem de negócios”, lembra Miguel Braz, membro do Preservar Aljezur, evocando os milhares de euros gastos a fazer as captações de água, “deve querer aqui produzir batata-doce de ouro”, ironiza.

Vinda de casa, a vizinha do terreno do dono da Portfuel Helena Fernandes, de 79 anos, aproxima-se. Vestida de negro, adivinha-se a vida de sacrifícios nos passos miúdos e na curvatura das costas. “Sempre aqui vivi, agarrada à enxada.” A filha Otília é a terceira geração de uma família de agricultores. Não possuem automóvel, mas nos últimos meses do que mais têm ouvido falar é que à sua porta pode nascer um poço de petróleo. “O carro são as nossas pernas”, conta Helena, acrescentando que gostaria de “voltar a dormir descansada”, sem pensar no que lhes poderá acontecer. Helena pede para não ser fotografada, tem medo de ser reconhecida e algo possa acontecer.

“Boa viagem, e não voltem mais”, grita o inglês John Hinsley, um músico que se queixa de que o ruído lhe virou do avesso a harmonia em que trabalhava. “Não posso aqui viver”, protesta.

Há um mês, e após queixas dos ambientalistas, o secretário de Estado do Ambiente, Carlos Martins, foi ao Perdigão. Filipe Costa, também activista do Preservar Aljezur, disse “estranhar” o facto de se ter aproximado da propriedade de Sousa Cintra, mas não ter entrado para ver o que se passava. Porém, ressalva que, acompanhado da GNR, “não fugiu ao diálogo com as pessoas que o aguardavam”.

“Deviam ter visto o monte de espuma, com um cheiro esquisito, que estava espalhado sobre o terreno — parecia a serra da Estrela coberta de neve”, diz Otília, deixando cair um lamento: “Perdi a vontade de comer.”

Num outro terreno contíguo, a uma distância de cerca de 300 metros, José da Luz passou a ter água barrenta no furo que lhe abastece a habitação. “Recolheram umas amostras [a Agência Portuguesa do Ambiente], aguardo os resultados”, responde.

O alemão Fredrik von der Lancken, engenheiro com especialidade nas energias renováveis, e a viver na região, comenta: “Não percebo porque é que Portugal quer agora enveredar pela exploração do petróleo.”

José Amarelinho acrescenta que não poderia estar mais de acordo. “Os Estados não podem defender a descarbonização e depois levarem à prática políticas que contrariam o que dizem — é hipocrisia”, acusa, estendendo  a crítica ao executivo de António Costa. “O Governo do PS tem a obrigação de dar uma lição nesta matéria.”

Cientistas na discussão

Em Janeiro deste ano, a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis organizou uma sessão de esclarecimento sobre a prospecção de petróleo e gás natural no Algarve. Os cidadãos tinham de se inscrever para participar e ouvir as explicações das empresas com contratos para prospecção de hidrocarbonetos no mar e em terra.

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Membros do grupo Preservar Aljezur assistiram à saída da perfuradora Rui Gaudêncio

Na plateia estava a antropóloga Eglantina Monteiro. No final do encontro saiu “revoltada” pela forma como as empresas apresentaram os seus projectos, e pela mensagem de que tudo era “bestial e limpinho”. Envolveu-se no processo contra a prospecção e exploração na região e pediu apoio à comunidade científica por entender que só ela estava à altura de debater “de igual para igual” com os técnicos das petrolíferas.

Numa outra conferência em Março em que participaram, entre outros, especialistas do Instituto Ricardo Jorge, do Instituto Superior Técnico e da Faculdade de Ciências e Tecnologia, foi levantada pela primeira vez, de “uma forma clara e sustentada, os elevados riscos para a saúde pública” da possível contaminação das águas num processo de prospecção em terra que “usa 750 produtos químicos, oito dos quais comprovadamente susceptíveis de causar o cancro”, segundo advertiu João Lavinha, do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge.

Eglantina Monteiro, portuense com um projecto de habitação de ecoturismo sustentável em Castro Marim, acusa os “secretismos” que envolvem o processo.

Apesar de os contratos estarem assinados e de o primeiro-ministro, António Costa, já ter afirmado, em Janeiro, no Parlamento, que esses “contratos estão em vigor”, que “têm de ser cumpridos” e que “há uma prospecção que deve ser feita”, a antropóloga acredita que o “processo pode ser reversível”. E, se não, “pode haver uma rebelião popular que leve os governantes a acabar com esses contratos”, afirma. Não é a única proposta radical que se ouve pelo Algarve.

Apoios lá fora, talvez

Unidos numa plataforma, a PALP, os grupos ambientalistas têm protagonizado a contestação. Defendem um “Algarve sustentável” e manifestam-se “contra a exploração de petróleo na região”. Pretendem um “debate público sobre as consequências para a região de uma tomada de decisão desta natureza”, exigem um estudo de impacto social, económico e ambiental” e querem “pressionar o Estado para publicar toda a informação inerente à prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural em Portugal”.

Neste momento estão focados em “obrigar os governantes a reverterem todo o processo em curso”, especialmente o da prospecção em terra. Um trabalho que o biólogo Manuel Vieira, técnico da Almargem, associação de defesa do património cultural e ambiental do Algarve, e um dos porta-vozes da PALP, admite não ser fácil. No último ano, refere, “houve uma maior consciencialização da população para o problema, mas ainda está longe de ser generalizada, principalmente em grandes centros”, como Faro e Loulé.

“Quando a PALP foi formada, a maior parte das pessoas não sabia de nada e alguns até achavam que podia ser positivo, porque trazia dinheiro. Hoje, as pessoas têm dúvidas, ou até já não têm dúvidas nenhumas de que este processo não traz nada de bom para as populações”, diz Manuel Vieira.

Para o biólogo, há uma maior atenção para o problema em regiões como Aljezur ou Vila do Bispo, “onde os cidadãos, já habituados às regras apertadas” do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, não compreendem que um processo desta dimensão avance com “a facilidade com que este avançou”, enquanto para “fazerem uma obra em casa necessitam de cumprir um processo burocrático complexo”.

Uma mesma atenção já é dada na região de Tavira, onde os residentes estrangeiros no Algarve têm sido protagonistas. “Nos grandes centros, como Loulé e Faro, as pessoas mexem-se menos”, afirma.

Sendo o Algarve uma das zonas do país com maior área protegida (cerca de dois terços do território), com reservas naturais e áreas classificadas, Manuel Vieira não acredita que isso seja suficiente para travar o processo. “Os planos directores municipais e as áreas protegidas mudam-se facilmente, como já aconteceu muitas vezes no passado, se forem considerados Projectos de Potencial Interesse Nacional [PIN]. A questão é essencialmente política. As excepções criam-se facilmente se existirem interesses económicos em jogo”, refere.

Por isso, vêem a Constituição e os valores nela defendidos sobre a qualidade de vida dos cidadãos e das gerações vindouras como “o último baluarte” na defesa da sua luta.

Admitindo ser difícil travar as prospecções no mar (offshore), “por o processo estar muito adiantado” e “envolver empresas muito poderosas”, os ambientalistas algarvios centram-se na prospecção em terra (onshore), em “empresas sem experiência”, “mais pequenas” e com “carácter duvidoso”, é esta a descrição. Há ainda outro factor: “As pessoas sentem mais na pele porque é à porta da sua casa.”

E o processo iminente não é petróleo convencional, mas o polémico petróleo de xisto — o que falta estudar no onshore da região. Obriga à fracturação hidráulica de rocha no subsolo, ao uso de muita água e de químicos com elevado risco de contaminação dos aquíferos mais profundos. Em vários países, esta técnica tem sido associada à ocorrência de sismos locais.

Por isso, admitem “internacionalizar” a luta, caso o processo não recue. Manuel Vieira diz que, com o “apoio de grandes associações ecologistas mundiais”, pensam alargar o debate sobre a exploração petrolífera e de gás no Algarve para fora do país e ensaiam a acção desde há algum tempo com um vídeo, em inglês, que tem circulado nas redes sociais sobre o tema. 

Adivinha-se a polémica. “Sabemos as consequências que terá para o turismo na região. Mas quando se pretende destruir tudo, não vemos como não avançar por esse caminho para pressionar o poder político”, diz Manuel Vieira.

Na sexta-feira, os ambientalistas foram protestar para a frente da Câmara de Loulé, reclamando do presidente da câmara uma tomada de posição pública sobre o processo. O autarca Vítor Aleixo, também do PS, e simultaneamente presidente do Conselho Regional do Algarve, um órgão consultivo da Comissão de Coordenação Regional, respondeu ser “um advogado desta causa sem tibiezas”. E anunciou ter pedido uma reunião extraordinária do órgão que lidera para “condenar esta actividade que tanto prejuízo pode causar à região”. Não tem dúvidas de que, “se estão a fazer pesquisas, é porque querem explorar”.  

Frente autárquica

Os 16 municípios que compõem a Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) decidiram, a 14 de Março, por unanimidade, recorrer aos tribunais para travar a prospecção de petróleo e gás natural na região, especialmente em terra.

O presidente da AMAL, Jorge Botelho, outro autarca socialista, presidente da Câmara de Tavira, acolhe as preocupações governamentais. “Poderá haver direito ao pagamento de indemnizações”, disse, depois de se ter reunido com o secretário de Estado da Energia, Jorge Sanches, a 26 de Janeiro.

Esta semana, questionado novamente pelo PÚBLICO, adiantou que tem “concertado posições com o Governo” no sentido de fazer reverter os contratos. “Foi pedido um parecer à Procuradoria-Geral da República sobre a legalidade das concessões”, justificou, acrescentando que, amanhã, na reunião da AMAL, será apreciada e votada uma sua proposta para a contratação de um jurista, com a incumbência de acompanhar este assunto.

Para o presidente da Câmara de Faro, “todo este processo foi e está a ser mal conduzido”. Rogério Bacalhau, do PSD, disse ao PÚBLICO lamentar “o secretismo que envolve toda a situação” e o facto de os autarcas “nunca terem sido ouvidos”.

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Movimento de cidadãos Preservar Aljezur junto ao terreno das perfurações Rui Gaudêncio

“Isto é negativo e não se percebe. Ou talvez se perceba, porque no Algarve os autarcas estão todos contra esta situação, porque entendem que estes trabalhos não trazem nada de positivo para a região”, afirmou o autarca eleito pelo PSD.

O responsável pela maior câmara algarvia diz ainda que, em relação à prospecção em terra, “não se percebe como pode avançar sem estudos, de um momento para o outro”, quando “os munícipes e os municípios têm tantas restrições para fazer qualquer coisa, sejam em termos de imobiliário ou rural”.

Convicto de que o “turismo é muito sensível a estas situações”, o plano dos ambientalistas será, em sua opinião, “um desastre”. “Independentemente de se iniciar ou não a prospecção, qualquer notícia que saia sobre isso em jornais estrangeiros terá um impacto negativo no nosso turismo.”

Rogério Bacalhau lamenta ainda que o chefe do Governo defenda que o processo é para avançar. “Devia ouvir os autarcas, reavaliar a situação, ter em conta a unanimidade que existe sobre esta matéria e perceber porquê.”

José Amarelinho, vice-presidente da AMAL, é o autarca socialista que diz discordar “completamente do primeiro-ministro” e acredita ser “possível fazer reverter os contratos que estão assinados”.

Em geral, no caso de as prospecções concluírem que Portugal tem hidrocarbonetos com interesse comercial, as contrapartidas que ficam para o Estado variam entre os 3% e os 12%, depois de descontadas todas as despesas. A Noruega, um país apontado como exemplo da compatibilização dos interesses do petróleo com outras actividades, as percentagens a favor da comunidade andam na casa dos 80%. “Mas o nosso filão é outro, não é esse recurso [petróleo ou gás] a apetência da região”, diz Amarelinho.

O que todos pedem, acrescenta, é “transparência e clareza nos processos”.  Os negócios nesta área, justifica, “fazem lembrar as parcerias público-privadas, que deram os resultados que são conhecidos”, observa.

Receios dos empresários 

“Não se pode pôr em causa o turismo do Algarve com a exploração de combustíveis fósseis”, diz Vítor Neto, ex-secretário de Estado do Turismo nos governos socialistas de António Guterres (1997 a 2002) e actual presidente da Associação Empresarial do Algarve (NERA). Esta entidade emitiu recentemente um comunicado também a condenar a prospecção e eventual exploração de hidrocarbonetos na região.

O sector turístico no Algarve, justifica Vítor Neto, representa  cinco a seis mil milhões de euros por ano. Substituir a indústria turística pela petrolífera, enfatiza, “seria um erro gravíssimo e um desastre económico e social para a região e o país”.

O sector do turismo, insiste, é o  “principal exportador de Portugal, representando 15,3% do total, cerca de 11.400 milhões de euros”. Nesta relação, “o Algarve contribui com 40% a 50% desse valor”. O que vê na exploração de gás e petróleo é um “risco incalculável e um erro que se pode pagar caro”.

Elidérico Viegas, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), deixa um recado ao primeiro-ministro: “A história não deixará de julgar quem permitir que tal crime aconteça.” Afirma que este processo “conflitua com a principal actividade da região, o turismo”, e que pode ser “fatal para o sector”.

Lembra que, “em nome do interesse nacional”, António Costa, depois de tomar posse, “quebrou alguns contratos assinados”, como o da TAP, e agora, “também em nome do interesse nacional, tem de quebrar os contratos de prospecção e exploração” de hidrocarbonetos no Algarve.

“É bom que os nossos governantes saibam que, desta vez, todo o Algarve está unido contra esta aberração”, acrescenta.   

Estrangeiros à frente

Gil Maddalena, francês, vive no Rogil, uma das freguesias de Aljezur. “Cheguei a Portugal há 15 anos, de barco à vela.” Durante algum tempo fez do porto de Lagos o local de residência. A mulher, médica, também francesa,  trabalha no centro de saúde de Aljezur. Ambos fazem parte do Preservar Aljezur — movimento que, inserido na Plataforma Algarve Livre de Petróleo,  luta para que os terrenos agrícolas não se transformem em campos petrolíferos e não haja plataformas ao longo da costa. Este realizador multimédia, reformado e agora agricultor está contra a “betonização das belezas naturais”. Numa pequena horta, cultiva ervilhas, favas e batatas. No resto da propriedade, com 3,5 hectares, está a substituir os eucaliptos pelas azinheiras, sobreiros e medronheiros, procurando repovoar o espaço com árvores autóctones.

Jan le Bris de Kerne é francês. Vive há sete anos em Portugal e é director de programação da Hit Radio, um projecto internacional 100% musical dedicado ao público jovem. Há cerca de um ano comprou casa na zona de Tavira, que já conhecia bem. Hoje divide o tempo entre Lisboa e o Algarve.

“As preocupações têm crescido muito entre os estrangeiros a viver no Algarve. Eles estão muito activos na luta contra a prospecção de petróleo e não vão desistir”, afirma Jan le Bris de Kerne.

A presença destes residentes nos protestos e nas sessões de esclarecimento é frequente. Recentemente, um hoteleiro algarvio questionava Jan le Bris sobre o facto de os jornalistas ouvirem sempre os moradores estrangeiros, quando muitas vezes não ouvem os portugueses. “Porque eles [os estrangeiros a viverem no Algarve] defendem a região, defendem a terra, o ambiente, ao contrário de muitos portugueses, que, enquanto cidadãos individuais, muitas vezes não o fazem”, respondeu o francês.

Jan le Bris afirma que ficou surpreendido “com o empenhamento e a energia dos estrangeiros residentes do Algarve, uma grande parte reformados”. “Hoje em dia não se fala noutra coisa.” 

O ex-ministro do Ambiente Jorge Moreira da Silva acusava esta semana no Parlamento alguns “estrangeiros reformados” de liderar a oposição ao petróleo e que “adorariam que o Algarve fosse uma terra de índios”.

Dinheiro que entra

O Mira Sado navega vagaroso em direcção à Culatra, uma das três ilhas-barreira da ria Formosa. Saiu de Olhão logo pela manhã, numa sexta-feira de pouco sol. Vai quase cheio. Muitos moradores locais vieram a terra aviar-se e seguem carregados de sacos e pacotes, mas a maioria são turistas, que tiram fotografias.

A maré da ria está quase cheia. Ao leme, o mestre João Tavares não tira os olhos das águas serenas. Anda há dois anos nos barcos de transporte mas conhece bem o local. A maioria dos seus 75 anos foram passados por ali ou mar adentro numa vida de pesca que começou aos 12 anos. Não tira os olhos da ria.

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José Cruz, 71 anos, antigo pescador, elogia a iniciativa de Sousa Cintra Rui Gaudêncio

Lá longe, a 50 quilómetros da costa, a concessão do consórcio Repsol/Partex prepara-se para fazer dois furos.

João Tavares já ouviu falar “que andam à procura de petróleo e gás no Algarve”. Embora diga que não percebe muito do assunto, essa procura parece-lhe bem. “O petróleo não traz dinheiro? Não faz baixar os preços? Eu pago cinco contos, hoje 25 euros, por uma garrafa de gás, se encontrarem [gás] e se o preço baixar, isso é bom. E pode ser que arranje emprego que tanto falta”, afirma.

O marinheiro Eduardo Pereira, 65, também está “nos barcos” depois de “uma vida à pesca”. Escuta, atento, e entra na conversa. “Eu só quero saber uma coisa: os países que têm petróleo não têm turistas? Têm e são ricos. Isso de os turistas se irem embora é conversa”, opina.

Meia hora depois da partida de Olhão, o Mira Sado chega à Culatra. Deixa umas dezenas de turistas que seguem de imediato para as praias do outro lado da ilha, antes de partir para o Farol, outra das ilhas-barreira. Os barcos, na sua maioria pequenas embarcações de pesca, enchem as águas junto à margem.

Em terra, um grupo de pescadores amanha as redes. No café Janota, a poucos metros do cais de desembarque, seis homens espalham-se por três mesas da esplanada do café-restaurante. Comentam os barcos que chegam e partem da ilha da faina.

Manuel Sardo, 82 anos, apresenta-se como o homem “mais velho da Culatra”, mas “ainda peixe fresco bom para assar”. Nasceu em Setúbal, passou por Olhão, mas há muito que a Culatra é a sua terra. “Na II Guerra Mundial já eu, miúdo, andava aqui à pesca. Vi cair três aviões alemães no mar”, conta. E o petróleo? “Isso só pode trazer dinheiro.”

José Cruz, 71 anos, antigo pescador, antigo emigrante em França durante 20 anos e antigo empresário, é o “filho da Culatra”. Diz ser “amigo íntimo” de Sousa Cintra.

Se “Cintra se está a meter no petróleo no Algarve, é porque é bom e dá dinheiro” e será uma fonte de “dinheiro e emprego para o país”. Tem ainda uma pergunta: “O Brasil não tem petróleo? Tem a monte e também tem turistas a monte.”

José Carrilho, 70 anos e pescador desde os 13, entra na conversa:

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Manuel Sardo, 82 anos, diz que o petróleo "só pode trazer dinheiro" Rui Gaudêncio

— Vou dizer uma coisa: não há petróleo nenhum.

— Há, sim senhor, e vais ver que é muito — responde Cruz.

— Há quantos anos ouves falar em petróleo? Há muitos e nunca encontraram nenhum. Isto é tudo conversa.     

 

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