Os doutores da vida
Não posso deixar de ter como descabida uma reedição do antigo programa “Novas Oportunidades” do executivo de José Sócrates.
“Na verdade, a pedagogia que nivela tudo por baixo no intuito de esbater as diferenças tem como consequência tornar ignorantes milhões de pessoas”.
Francisco Alberoni, professor de Sociologia na Universidade de Milão
Serve de título a este meu texto a expressão “os doutores da vida” da autoria de Filinto Lima (“Educação de Adultos – agora ou nunca”, PÚBLICO, 24/3/2016), inserindo-a eu no contexto em que foi utilizada pelo seu autor, quando escreve em ultima ratio:
“As escolas públicas e as instituições (educativas) financiadas pelo Estado têm a responsabilidade de contribuir para dar resposta a estas pessoas mais velhas, doutores da vida, mas que não sabem ler nem escrever, ou com escolarização baixa (os seus percursos escolares foram curtos ou intermitentes) e pretendem elevá-la”.
Desde já o afirmo. Não desacordo sobre a necessidade em expandir a educação de adultos como forma de diminuir o analfabetismo dos portugueses, mas sem oportunismos “num país de carreiristas no qual todos buscam uma calha que lhes permita deslizar sem atrito” (João Lobo Antunes). Isto porque me parece acastelarem-se no horizonte plúmbeas nuvens que prenunciam novamente isso mesmo.
Colho exemplo, no Orçamento de Estado/2016. Segundo notícia do PÚBLICO (5/2/2016), nele está prevista a criação de um Programa de Educação e Formação de Adultos que assegure a superação do défice de qualificações escolares da população activa portuguesa e a melhoria da qualidade dos processos de educação-formação de adultos. Ainda segundo a supracitada notícia, “os socialistas recuperam assim uma aposta que já tinha sido feita nos seus últimos governos, com o programa Novas Oportunidades, abandonado logo no início do mandato pelo executivo PSD-CDS”.
Esta tomada de posição do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, sai reforçada em posterior notícia da TVI 24 (24/03/2016) de que se transcreve o seu panegírico público a esta medida do XVII Governo Constitucional:
“O Governo anunciou, esta quinta-feira, o lançamento de um novo programa de educação e formação de adultos, com o atual ministro da Educação a elogiar os resultados do antigo programa ‘Novas Oportunidades’ do executivo de José Sócrates”.
Ainda que admitindo que esta remoçada medida possa vir a assumir o rosto de anémica donzela com rosetas de carmim nas faces para parecer uma mocetona cheia de saúde, os caboucos do tradicional e exigente ensino secundário correm o risco de ruir ao peso destas novas “Novas Oportunidades”. Reporto-me ao caso de jovens que para concluírem o ensino secundário usufruam deste facilitismo, anunciado urbi et orbi, pelo actual ministro da Educação: “Não estou a falar só de população adulta já em idade avançada, mas também daqueles que ainda não conseguiram completar a escolaridade obrigatória e que ainda são jovens, muitos deles entre os 20 e os 30 anos”. Exemplifico com esta transcrição: abaixo:
“Tomás desistiu da escola sem ter concluído o secundário. Graças ao programa criado pelo Governo para aumentar as qualificações dos portugueses, teve equivalência ao 12.º ano em poucos meses e entrou na universidade com uma média de 20 valores conseguida com apenas um exame de inglês. Ainda assim, concorreu em igualdade de circunstâncias com todos os outros. Oficialmente é o aluno com a mais alta nota de candidatura ao ensino superior. Admite que beneficiou de uma injustiça” (“Expresso, 18/9/2010).
Sem generalizar, no que respeita à qualidade do ensino ministrado nas antigas “Novas Oportunidades”, cinjo-me a um artigo de opinião de Santana Castilho que documenta a exigência de uma dissertação do ensino secundário nesta elucidativa transcrição que dele faço:
“Como já disse anteriormente tenho um filho e uma filha, em que ele é mais velho cinco anos… Ando sempre a fazer-lhes ver as coizas, até já lhes tenho dito se tiver a inflicidade de falecer novo paça a ser ele o homem da casa e tomar conta da mãe e mana, mas para ele é difícil de compreender as situações e acaba por me dar razão e por vezes até me pede desculpa e que para a procima já não comete os mesmos erros. Ele tem o espaço dele com a mãe em que não me intrumeto, desde mimos e converças porque graças a Deus nem eu nem ele temos siumes um do outro com a mãe…” (PÚBLICO, 25/5/2011).
Em face de algumas destas citações, não posso, consequentemente, deixar de ter como descabida uma reedição do antigo programa “Novas Oportunidades” do executivo de José Sócrates.
Ex-docente do ensino secundário e universitário e co-autor do blogue De Rerum Natura