O fim do dia

A beleza dos momentos que esperaram meses e só duram um dia é grande de mais para conseguirmos esquecê-la ou fingir que não existe.

Às vezes os dias perfeitos - como anteontem - acabam perfeitamente. O sol a pôr-se parecia o mar a tomar um comprimido, com imensa água. Foi fácil imaginar que o sol estava a acordar noutro sítio, sem jet lag nem estar carregado de anfetaminas, sem sequer ter de fingir que não tinha dormido.

Os andorinhões - que nada têm a ver com as andorinhas e que pertencem à família dos pés-curtos (como os minúsculos beija-flores, donos dos metabolismos mais rápidos de todos os animais) - celebraram o primeiro dia de calor do ano com vôos hipnotizantes que terminavam sarcasticamente com um pio lunático emitido quando se atravessavam com as pontas dos nossos mal emproados narizes.

Anteontem vi a primeira libelinha - gigantesca e lenta, cheia de significado - do ano. O website do maravilhoso museu Smithsonian não tem razão: os insectos voadores não são geralmente "creepy" (apesar de nem sequer criparem/rastejarem) por serem, como as vespas e os mosquitos, perigosos.

São muito piores: são assustadores. Já as libelinhas, diz o mesmo Smithsonian, são mágicas. No ano passado, na praia de Galapos na Arrábida, tive medo dos milhões delas que atravessaram o Sado para chegar à terra que o oceano em que eu tomava banho interrompia.

As borboletas também pairam por aqui, enlouquecidas pelo pouco que vivem. A beleza dos momentos que esperaram meses e só duram um dia é grande de mais para conseguirmos esquecê-la ou fingir que não existe.

O dia acaba e a vida começa.

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