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Lei deverá ser alterada para facilitar aquisição de nacionalidade a netos de portugueses

Legislação existe desde Maio de 2015, mas não foi regulamentada. Ministério da Justiça quer critérios “mais objectivos”.

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MIguel Manso

Os netos de portugueses nascidos no estrangeiro ainda não podem pedir a nacionalidade portuguesa porque a alteração à lei, aprovada pelo Parlamento em Maio de 2015, ainda não foi regulamentada pelo executivo. Questionado pelo PÚBLICO por este atraso, o Ministério da Justiça indicou que “está a avaliar” a possibilidade de alterar a lei, para que os critérios de atribuição de nacionalidade sejam “mais objectivos”. A tutela considera que esta situação não se resolve “através de regulamentação, mas apenas". Só uma "alteração à lei” será suficiente, sublinha.

É certo, revelou o Ministério da Justiça, que o Governo quer limitar “a subjectividade de avaliação” no processo que concede a nacionalidade. A tutela diantou ainda que, após “a avaliação que o Ministério da Justiça tem vindo a realizar”, as “novas soluções jurídicas” desta lei “necessitam de uma maior densificação e objectividade”. Ficam, no entanto, por conhecer quais as alterações concretas que o Governo quer introduzir no documento. Caso se confirme, o documento rectificado volta à votação na Assembleia da República.

A última versão da Lei da Nacionalidade, que estende a "nacionalidade portuguesa originária" aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro, foi aprovada no Parlamento pela maioria PSD/CDS e pelo PS, a 29 de Maio de 2015, depois do partido de António Costa ter introduzido critérios de atribuição que excluem os netos que não tenham ligação ao território nacional ou não falem português. O PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes abstiveram-se, e os deputados socialistas Isabel Moreira e Pedro Delgado Alves votaram contra.

Saiu em Diário da República a 29 de Julho e, segundo a publicação, devia ter sido regulamentada até 29 de Agosto. O Governo tinha assim 30 dias, a partir da publicação, para pormenorizar as disposições da lei. Porém, quase um ano depois nem o Governo PSD/CDS, a quem cabia regulamentar a lei no período previsto, nem o actual executivo o fizeram. 

Onze meses de atraso

O atraso na lei suscitou a criação de uma petição pública lançada a 29 de Abril, oito meses depois da data limite para a regulamentação da lei. A petição pede o empenho da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e do seu ministério nesta matéria: “O atraso na regulamentação representa para nós um obstáculo gigante no caminho à realização de planos de vida que elaboramos para nós e nossos filhos”, pode ler-se na petição, assinada à data desta publicação por 643 pessoas.

A Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas adiantou, por escrito, ao PÚBLICO que “não houve até agora quaisquer implicações no normal funcionamento dos serviços consulares”. Admitiu, porém, que os consulados têm sido “abordados esporadicamente com perguntas sobre o andamento do processo legislativo”, mas nada de “avassalador”. Não existe também, segundo a Secretaria de Estado, qualquer ''lista de espera”, mas só porque os serviços “actuam exclusivamente no quadro da legislação existente”.

A legislação estende a nacionalidade portuguesa originária aos netos de portugueses que "declararem que querem ser portugueses e possuírem laços de efectiva ligação à comunidade nacional”. Mas ao contrário do que sucede com o processo de atribuição de nacionalidade garantido aos filhos de portugueses, o pedido de aquisição – em que se salta uma geração - pode ser negado com base em determinados factores, previstos na lei em causa. 

Segundo um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, publicado em Diário da República na segunda-feira da semana passada, “cabe ao Ministério Público o ónus de prova dos fundamentos da inexistência de ligação efectiva à comunidade nacional”, a partir do momento em que esta lei entrar em vigor.

Tal implica que a necessidade de provar que quem requer a nacionalidade tem “conhecimento suficiente da língua portuguesa”, mantém contactos regulares com Portugal e não tem "qualquer condenação (já sem possibilidade de recurso) pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos, segundo a lei portuguesa.”

Bloco quer repensar exigência de língua portuguesa

O deputado do Bloco de Esquerda (BE) José Manuel Pureza sublinhou ao PÚBLICO a “preocupação” do BE com “vários aspectos na lei que são vagos e indefinidos”. Para o bloquista, estes podem ser clarificados por via de regulamentação “muito específica”. Face à intenção do Governo de alterar a lei, José Manuel Pureza espera que a alteração contemple “de uma forma correcta” as questões levantadas pelo Bloco. Entre estes aspectos, o bloquista destacou o conceito “indeterminado” de “efectiva ligação à comunidade nacional”, factor exigido para obter a nacionalidade, que a lei não esclarece.

José Manuel Pureza considera ainda “prioritária” a fiscalização do cumprimento dos prazos que a lei estabelece para análise, deliberação e comunicação dos resultados do processo de atribuição de nacionalidade. Estes são estabelecidos pela lei, mas o seu cumprimento não é fiscalizado, situação que o Bloco quer ver alterada.

José Manuel Pureza defendeu ainda que “deve ser repensado” o requisito que exige um “conhecimento suficiente da língua portuguesa”. O partido entende que “pensar a nacionalidade em função dos conhecimentos da língua” não é o melhor caminho para que alguém obtenha a nacionalidade.

PSD quer regulamentação, não alteração

Já Carlos Páscoa, deputado do PSD e um dos autores do projecto de lei, diz não entender “o que há nesta lei para alterar”. “Os critérios estão definidos, acho que o Ministério da Justiça tem que fazer a regulamentação, que é isso que as comunidades portuguesas querem”, diz o deputado, afirmando que não entende “porque depois de mais de sete meses de novo Governo, ainda não se processou a regulamentação.”

Nuno Magalhães, do CDS-PP, que lembrou que existiam na anterior legislatura “projectos bastante avançados para a regulamentação”, não se opõe à mudança na lei “desde que isso não constitua um pretexto para atrasar ainda mais as coisas” que “já levam um atraso incompreensível”. “Durante muito tempo isto foi proposto e foi rejeitado, mas nós estamos disponíveis para que possa, em sede legal, ser atingido o objectivo que é dar [a nacionalidade] a quem quer e merece”, afirmou.

Por seu lado, António Filipe, do PCP, reforçou a sua “oposição frontal a esta lei”, mas não se pronunciou sobre a possibilidade de alteração, uma vez que ainda não são conhecidas as propostas concretas do Governo. O comunista considera que a lei já aprovada, com a abstenção do PCP, “não faz nenhum sentido”. O deputado rejeitou apoiar uma lei que concede a “nacionalidade por conveniência”: “Estas são pessoas que não quiseram dar a nacionalidade portuguesa aos seus filhos, quando o podiam ter feito, mas agora em relação aos netos, vem-lhes o patriotismo ao de cima, com uma década de atraso.”

O deputado socialista Filipe Neto Brandão remeteu comentários para quando for conhecida a proposta do Governo.

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