Mecânicos que fazem manutenção de helicópteros do Estado sem habilitações

Cartas das autoridades aeronáuticas ucranianas e russas indicam que só dois de 12 técnicos possuem licenças válidas para reparar os Kamov. ANAC diz que não encontrou irregularidades, mas mandou queixas para o Ministério Público

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Neste momento, só três dos seis helicópteros kamov estão a voar

Há mecânicos da Heliavionicslab que estão a assegurar a manutenção dos helicópteros pesados do Estado, os Kamov, sem terem as habilitações necessárias. A garantia é dada ao PÚBLICO por Pedro Silveira, presidente da Heliportugal, a empresa que vendeu os aparelhos ao Estado português e que, até Junho, assegurou a manutenção dos seis helicópteros.

Para comprovar a informação, o empresário mostra as cartas enviadas pelas autoridades aeronáuticas ucranianas e russas que mostram que num total de 12 mecânicos que trabalham naquela firma, apenas dois possuem as licenças necessárias para arranjar os seis Kamov. E a de um deles caducava no final de Janeiro.

A Heliavionicslab foi uma das empresas alvo de buscas realizadas pela PJ há duas semanas, no âmbito de um processo que investiga suspeitas de corrupção, participação económica em negócio, falsificação e prevaricação nos contratos dos meios aéreos de combate aos incêndios. A Everjets, a empresa que está a operar os helicópteros Kamov, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e a Protecção Civil também foram alvo de buscas.

Pedro Silveira comprova que deu conhecimento das informações das autoridades aeronáuticas ucranianas e russas à ANAC e critica a passividade do supervisor, que diz, desta forma, compromete a segurança da aviação em Portugal.

Por seu lado, a autoridade aeronáutica portuguesa garante que “contactou as autoridades aeronáuticas congéneres para confirmar a regularidade das licenças existentes”, sem precisar se já recebeu a informação e, se sim, qual o seu conteúdo. Quando questionada sobre se foi encontrado algum tipo de irregularidades nestas licenças, a ANAC responde apenas “não”, apesar de admitir que remeteu parte das denúncias relativas a falsas habilitações, feitas em Julho, pela Heliportugal, para o Ministério Público.

À pergunta se “a ANAC pode garantir que a manutenção dos Kamov está a ser feita por técnicos devidamente habilitados e certificados para o fazer”, a autoridade aeronáutica portuguesa responde que “qualquer organização de manutenção tem a responsabilidade de garantir que os seus técnicos de manutenção cumprem com os requisitos estabelecidos pela respectiva regulamentação”. E acrescenta que, no âmbito das suas acções de supervisão e inspecção, “tem vindo a verificar o cumprimento desses requisitos”.

Contactado pelo PÚBLICO, o director de Engenharia da Heliavionicslab, Lesiuk Vasyl, disse-se “tranquilo” e garantiu não ter nada a esconder.

O administrador responsável pela mesma empresa, Oleksandr Shyyenko, é um dos dois profissionais que possuem uma licença válida e a necessária formação nos Kamov Ka-32, essencial para que os mecânicos possam poder reparar estes aparelhos de fabrico russos. Mas o mesmo já não acontece com o director de Engenharia da mesma empresa, o ucraniano Lesiuk Vasyl, que não possui nenhuma licença emitida quer pelas autoridades ucranianas, quer pelas autoridades russas, segundo as cartas a que o PÚBLICO teve acesso. Lesiuk Vasyl preferiu não comentar estas informações.

A Heliportugal confrontou a autoridades aeronáuticas russas e as autoridades ucranianas com as licenças dos técnicos da Heliavionicslab (nalguns casos foi preciso confrontar ambas para o mesmo técnico). Relativamente à licença russa apresentada por Lesiuk Vasyl, a autoridade russa respondeu que o documento não era uma licença de manutenção emitida por si. O mesmo disse em relação a outros três técnicos. Outros dois mecânicos possuem licenças, mas estas “apenas são válidas em território da Federação Russa”, confirmou ainda a autoridade russa.

Já o supervisor ucraniano pronunciou-se sobre as habilitações de nove técnicos, que segundo o manual de organização de manutenção da Heliavionicslab, são profissionais da empresa, certificando que dois deles não possuem qualquer licença de manutenção. Informou ainda que três dispõem de licenças válidas, mas que não os habilitam a trabalhar nos helicópteros Kamov ka-32. Outros dois técnicos apresentam licenças já caducadas, num dos casos há mais de quatro anos.

Por fim, há dois profissionais, incluindo Oleksandr Shyyenko, que têm licença válida para manter os helicópteros comprados em 2006 pelo Estado português. A licença do outro técnico terminava a validade em Janeiro, não havendo informação sobre se a mesma foi ou não renovada.

Só três dos seis Kamov estão a voar
Neste momento, estão a voar apenas três dos seis helicópteros Kamov que o Estado português possui. Dois encontram-se parados desde Junho, por problemas técnicos detectados no processo de transferência dos aparelhos que passaram a ser operados pela Everjets, que venceu o concurso público e subcontratou na Heliavionicslab a manutenção dos mesmos. Até aí os helicópteros eram operados pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, mas a manutenção estava entregue à Heliportugal. Durante o processo de transição, foram detectadas uma série de não conformidades graves no estado das aeronaves, que obrigou à paragem quase total das aeronaves. Entretanto dois aparelhos foram reparados e os outros dois devem ser reparados até ao Verão. Neste Inverno, os helicópteros só estão a fazer missões de evacuação médica, já que deixaram de estar autorizados a fazer busca e salvamento. A responsabilidade pelo estado das aeronaves está a ser apurada no âmbito de um inquérito da Inspecção-Geral da Administração Interna que só tem final previsto para Abril. Suspeitas de favorecimento no concurso ganho pela Everjets foram investigadas no âmbito do processo conhecido como vistos gold e justificaram um dos crimes imputados pelo Ministério Público ao ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo.

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