França adopta lei que proíbe "símbolos religiosos ostensivos" nas escolas públicas
A lei foi aprovada com 494 votos a favor — da União para um Movimento Popular (UMP), partido de Jacques Chirac, e dos socialistas —, 36 contra e 31 abstenções.
O presidente do grupo parlamentar do UMP, Jacques Barrot, insistiu no facto de a lei não pretender lançar a "suspeição face às religiões", sendo, ao contrário, um sinal de "respeito da fé cristã, judaica ou muçulmana".
Em nome dos socialistas, Jean Glavany explicou que a lei tornou-se "necessária" dadas as dificuldades sentidas pela comunidade educativa.
Por seu lado, os comunistas acusaram a lei de "estigmatizar uma parte da população" e o UDF, partido de centro-direita aliado da maioria, considerou-a "supérflua".
A aprovação da nova lei por grande maioria dos parlamentares segue-se à aceitação da mesma por parte do Executivo e do Presidente francês, Jacques Chirac, na sequência do parecer de um conselho de peritos que propunha a interdição de todos os "símbolos e vestuário que manifestem ostensivamente a filiação religiosa dos alunos", em nome da laicidade da República Francesa. Ou seja, os alunos podem apenas continuar a usar símbolos discretos da sua fé.
A comissão governamental que elaborou um relatório sobre as relações entre Estado e religiões recomendou ao Governo francês que decretasse a proibição de símbolos religiosos nas escolas públicas. O relatório, apresentado a Jacques Chirac, determina que o uso de "conspícuos sinais religiosos" é contrário ao secularismo que a lei francesa prevê para os estabelecimentos estatais.
A Comissão Stasi (nome do seu presidente, o deputado Bernard Stasi), sublinhou ainda a necessidade de manter "o estrito respeito pelo princípio de neutralidade de todos os agentes públicos". Esta proposição implica, nomeadamente, que os utentes dos hospitais públicos franceses respeitem as regras do pessoal de saúde, proibindo-os de rejeitarem ser atendidos por este ou aquele médico — isto porque muitas mulheres muçulmanas têm-se recusado a serem vistas por homens. Chirac reforçou esta ideia, considerando ofensivo que algumas mulheres muçulmanas se recusem a ser atendidas e tratadas por homens nos hospitais, e sugeriu a adopção de um "código de secularismo" para os funcionários públicos, cujo cumprimento deverá ser vigiado por um observatório.
As recomendações da comissão motivaram um aceso debate político em França e foram contestadas por dirigentes religiosos em todo o mundo, desde os países islâmicos ao Vaticano.
A comunidade islâmica residente em França sente-se discriminada com esta nova lei, pois acredita ser o principal alvo da legislação. Os muçulmanos não querem que as mulheres abandonem o véu que lhes cobre pelo menos o cabelo, por considerarem que faz parte da sua identidade, sendo a comunidade mais aguerrida na luta contra a intenção do Governo francês, que não visa apenas o islão mas também todas as outras religiões, implicando que sejam retirados crucifixos das escolas e que os judeus abandonem a sua "kippa".
Numa manifestação de força da comunidade — calcula-se que existam cinco milhões de muçulmanos em França, representando oito por cento da população — jovens muçulmanas manifestaram-se no passado dia 17 de Janeiro em Paris, reivindicando o direito a usar o véu.
Muhammad Habib, o "número dois" da influente Irmandada Muçulmana, criada por Hassan al-Banna no Egipto, alertou hoje que a adopção da lei "terá consequências negativas na atitude dos povos árabes e muçulmanos para com a França e o Governo francês". O líder sublinhou ainda que "o uso do véu é uma obrigação islâmica" e recordou que Paris até é bem visto no mundo árabe, principalmente "no que toca à causa palestiniana".
O debate sobre o uso de símbolos religiosos nas escolas públicas francesas surgiu após o caso de uma menina que pretendia manter o véu islâmico durante as aulas. Os defensores da proibição — o Governo, excluindo os ministros da Educação e do Interior, a direita, os socialistas e a generalidade dos sindicatos ligados à educação — consideram que tais símbolos promovem atitudes religiosas extremistas, enquanto os opositores — entre os quais estão as diferentes confissões religiosas, grande parte da esquerda e as associações que combatem a discriminação e defendem os direitos humanos — temem que surjam reacções radicais na sequência da interdição.
De acordo com várias sondagens efectuadas a propósito deste debate, a maioria dos franceses apoia a interdição de símbolos religiosos nas escolas públicas, mas os líderes das comunidades muçulmana, judaica e cristã já manifestaram a sua oposição.