As espertinhas no ar

Cabe na cabeça de alguém ou de algum passarinho deixar um sítio como Tavira?

Atravessámos a chuva escura do Inverno todo para chegar a Tavira. Boquiabertos, encontrámos luz. Encontrámos calor. Encontrámos céu azul. Era a Primavera que tinha chegado antes de nós.

Havia muitos passarinhos. Uns voavam como andorinhas, com o mesmo êxtase que o nosso, como se tivessem acabado de chegar ao único bocadinho de Portugal que conseguiu ficar ao sol.

Que passarinhos eram aqueles, tão parecidos com andorinhas, na segunda semana de Fevereiro? Por sorte a janela do nosso quarto dava para dois ninhos. Não. Eram mesmo andorinhas.

Perguntámos. Não se tinham ido embora. O tempo estava tão bom que ficaram. Fizeram o que nós deveríamos ter feito. Mas cabe na cabeça de alguém ou de algum passarinho deixar um sítio como Tavira?

Ficámos especados a olhar para elas. Detectei da parte delas algum desdém pelas nossas pessoas. Farão parte, com certeza, dalguma novíssima geração de andorinhas: as espertinhas.

Os nossos olhos devem-nos ter traído. Estávamos calados mas via-se que queríamos perguntar-lhes porque é que não tinham regressado a África.

Fomos gozados com longos pios-pios: “A sério? Migração? Movimentos migratórios? Mas isso é tão 2014...”

Ao cair do dia jantámos as primeiras favas do ano, sublimes. Favas, a sério? Na segunda semana de Fevereiro? Sim, em Tavira é assim. Nós não acreditávamos. E éramos os únicos que não sabiam que Tavira é mesmo assim, avançado no tempo e de costas para o Portugal atrasado, frio, obscuro e encharcado que é uma vergonha nacional.

 

 

MEC

 

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