Agência de acreditação “chumbou” 340 cursos e impediu 600 de abrir portas
Presidente da fundação que faz avaliação de cursos diz que instituições de ensino perceberam que havia excesso de cursos e elas próprias descontinuaram centenas deles que estavam desactualizados ou não tinham condições mínimas.
Cerca de 340 cursos foram “chumbados” desde 2010 pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (conhecida pela sigla A3ES). São mestrados (sobretudo), licenciaturas e doutoramentos, que estavam a funcionar em universidades, politécnicos e outras instituições de ensino superior, públicas e privadas.
O balanço da actividade da A3ES, naquele que foi o primeiro ciclo de cinco anos ao longo dos quais se pretende que todos os cursos do país sejam avaliados, e que só termina em 2016, foi fornecido pelo seu presidente, Alberto Amaral. E mostra um sistema de ensino superior em mutação, com mais de 2400 formações a desaparecerem do mapa nos últimos anos, qualquer coisa como 46,4% dos que existiam em 2010, ainda nas contas desta agência.
Ao mesmo tempo, muitos outros cursos foram criados a pedido das instituições — mais de 900 novos tiveram luz verde para funcionar nos últimos cinco anos. Há “diversos casos em que, por exemplo, dois ou mais mestrados ou doutoramentos foram substituídos por um único ciclo de estudos”, explica uma nota fornecida pelo presidente da A3ES. De resto, muitas universidades fecharam licenciaturas para abrir mestrados integrados.
Para já, centremo-nos nos “chumbos”: para além dos 344 cursos que estavam a funcionar e que a A3ES, depois das visitas dos peritos às instituições de ensino, não acreditou, mais de 1500 pedidos de novos cursos que as instituições apresentaram desde 2009 tiveram de ser apreciados. Destes, cerca de 900 tiveram acreditação como se disse (mais precisamente 934) e 613 não passaram a análise — pelo que a taxa de “não acreditação foi de 39,6%”, diz Alberto Amaral.
Para decidir se um curso é ou não acreditado os peritos avaliam vários aspectos: do plano de estudos, à existência de instalações físicas adequadas, nomeadamente em termos de laboratórios (quando se justifique) e bibliotecas, passando pela existência de um corpo docente próprio e qualificado. Um curso não acreditado não pode funcionar. E se já existir, deve fechar.
“Reorganização de todo o sistema”
A A3ES nasceu em 2007, por decreto-lei — instituída pelo Estado, é uma fundação de direito privado, reconhecida como tendo utilidade pública. Com o seu surgimento, as instituições de ensino superior, públicas e privadas, tiveram até Abril 2010 para inscreverem as suas as licenciaturas, mestrados e doutoramentos para acreditação — acreditação que seria (ou não) concedida pela A3ES após visitas de peritos num processo que se iniciaria em 2011/12, para durar até 2015/2016. Gradualmente, todas as formações teriam de ser analisadas. Num encontro com jornalistas, Alberto Amaral fez o balanço.
Primeira conclusão: ainda antes de qualquer comissão de peritos chegar a visitar uma universidade ou politécnico que fosse, os efeitos da criação da A3ES já se faziam sentir. “Foi pedido às instituições para indicarem quais eram os ciclos de estudos que pretendiam manter em funcionamento no futuro devendo fornecer em relação a esses ciclos de estudos [informação] demonstrando que tinham condições materiais e humanas para os manter em funcionamento” explica a mesma nota da A3ES. “Verificou-se, então, que havia excesso” de cursos. Dos 5262 que existiam no início de 2010, um total de 1218 (23%) desapareceram logo em 2010/11 — na maior parte dos casos (883) porque as instituições de ensino entenderam que não valia a pena sujeitar essas formações a avaliação, noutros casos (335) porque a A3ES levantava à partida algumas dúvidas sobre esses cursos e as instituições decidiram descontinuá-los também.
“Dava-se início a uma reorganização de todo o sistema, sendo as instituições responsabilizadas, no âmbito da sua autonomia, pela decisão de quais os cursos a integrar”, lê-se na mesma nota de Alberto Amaral.
Segunda conclusão: como era impossível avaliar todas as formações que estavam em funcionamento no país de um momento para o outro, a agência decidiu então fazer uma verificação de alguns dados que lhe permitiu decidir que a generalidade delas (3623) podia receber uma “acreditação preliminar”. Havia, contudo, 421 cursos que mesmo após a primeira conversa com as instituições suscitavam dúvidas.
A A3ES decidiu que esses não teriam “acreditação preliminar” e seriam sujeitos à apreciação directa dos peritos, o que aconteceu entre 2011 e 2012. Os resultados da avaliação dos 421 ciclos de estudos foi a acreditação de 308 e a não acreditação de 117, prossegue Alberto Amaral.
Estavam, por fim, reunidas as condições para iniciar o primeiro ciclo regular de avaliação/acreditação de cursos, abrangendo todos os cerca de 3600 que tinham obtido “acreditação preliminar” de forma, digamos assim, administrativa. Gradualmente, deveriam passar pela análise das comissões de peritos, à média de 700 cursos por ano. A primeira leva de avaliações regulares aconteceu em 2011/2012 e a última está a decorrer (e só termina em 2016).
Mais fechos no privado
Pelo caminho, centenas de cursos (mais de 800) que já tinham sido acreditados preliminarmente foram descontinuados pelas instituições, nota Alberto Amaral, e um total de 227 dos que já tinham recebido “acreditação preliminar” acabaram chumbados. Entre estes últimos, a maior parte dos casos (74%) funcionavam em instituições de ensino superior privadas. A lista completa dos mesmos pode ser consultada em www.publico.pt. A Cofac — Cooperativa de Formação e Animação Cultural, C.R.L., detentora da Universidade Lusófona, a maior das privadas do país, e a Fundação Minerva, detentora da Universidade Lusíada, estão entre as que viram mais cursos não ser acreditados, segundo os dados fornecidos pela A3ES.
A agência lembra que o número de cursos descontinuados pelas instituições é muito superior ao dos não acreditados “o que mostra que as instituições interiorizaram o objectivo do processo de acreditação e têm procedido a uma reorganização muito extensa da oferta formativa, encerrando voluntariamente ciclos de estudos sem capacidade para atrair alunos ou desactualizados, bem como aqueles que não apresentam condições mínimas de funcionamento”, diz a nota de Alberto Amaral.
A A3ES vai agora começar a publicar informação sintética para cada uma das áreas já avaliadas. As primeiras brochuras disponíveis são sobre Engenharia Civil, Arquitectura e Psicologia.
Veja o que se passou, por exemplo, em Engenharia Civil: a diminuição da procura por parte dos alunos destes cursos é considerada “dramática” — em 2008 foram colocados no 1.º ano 2960 alunos em cursos desta área e em 2013/14 apenas 948. A taxa de ocupação das vagas abertas passou de 119% para 63%. Segundo a A3ES, as instituições descontinuaram 25 cursos nos últimos cinco anos e a própria A3ES não acreditou duas licenciaturas e um doutoramento e “chumbou” três novas licenciaturas e seis novos mestrados.
O que se passa com Psicologia?
“É interessante notar a diferença entre Civil e Arquitectura, ambas ligadas à construção, em que no primeiro caso não há praticamente ensino privado e no segundo o ensino privado era maioritário. No caso da Civil nota-se uma grande diminuição da frequência do ensino público, com particular relevo para o politécnico. No segundo caso não há ensino politécnico mas as universidades públicas não sentiram qualquer efeito de crise uma vez que a grande diminuição de frequência se deu no privado, ou seja, o público tem sido protegido à custa das ‘gorduras’ do privado”, conclui a A3ES.
Também no caso de Psicologia a quebra de procura é “preocupante”, nos anos recentes, sobretudo no sector privado — à crise e ao factor demográfico, que também afectam outras áreas, junta-se, neste caso, “uma saturação do mercado de trabalho”. E as próprias instituições descontinuaram 23 cursos. A A3ES, por seu lado, “chumbou” outros 32.
“O facto de a legislação passar a exigir o grau de mestre para a habilitação profissional do psicólogo poderá ter conduzido as instituições a reorganizarem a sua oferta e, encerrado ciclos de estudos com menos procura e criando novos ciclos mais adaptados às necessidades do mercado”, conclui a agência. Dos novos cursos propostos pelas instituições, 29 não foram acreditados.