Superior pode perder 3000 vagas com novas regras para cursos pouco procurados
Ministério da Educação e Ciência pediu verificação das condições de funcionamento das instituições privadas, o que pode levar cerca de uma dezena a fechar. Mudanças também afectam sector público.
Há quase 3000 lugares no ensino superior que podem deixar de existir já a partir do próximo ano lectivo, face às novas regras de controlo dos cursos com pouca procura impostas pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) nos últimos meses. Cerca de metade destas vagas estão em instituições privadas, sobre as quais o Governo demonstra ter dúvidas que mantenham as condições de funcionamento face à perda de estudantes dos últimos anos. As restantes estão no sector público onde, apesar do aumento da procura neste ano, cerca de 30 cursos ficaram vazios.
Nos últimos três anos, os cursos superiores públicos com pouca procura tiveram vida difícil e 70 tiveram que encerrar por não terem tido o número suficiente de alunos nos anos anteriores. Este ano, houve 89 onde entraram menos de cinco estudantes (ver caixa), totalizando 2300 vagas que estavam disponíveis e ficaram praticamente vazias. Mas as regras vão, a partir de agora, também apertar-se para o sector privado. O Governo teme que a diminuição da procura e a consequente perda de receitas possa ter posto em causa a sustentabilidade financeira das instituições. Os critérios definidos pela tutela colocam o futuro de mais de uma dezena de universidades privadas em dúvida.
O MEC mandou reavaliar as condições de funcionamento de todas as instituições privadas onde existam cursos que tenham tido uma perda acentuada de alunos últimos três anos lectivos. A ordem partiu da “constatação de que alguns estabelecimentos de ensino superior privados têm vindo a registar uma diminuição muito significativa do número total de inscritos”, esclarece ao PÚBLICO fonte da tutela. Essa circunstância cria um quadro de “potencial degradação pedagógica”, defende a mesma fonte.
Por isso, o secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, emitiu um despacho, que não é público, a 26 de Setembro – uma semana antes das últimas eleições legislativas – onde manda a Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES) fazer um levantamento de todos os cursos nestas circunstâncias e que depois serão reavaliados pela Inspecção-Geral da Educação e da Ciência (IGEC) e a Agência para a Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES).
A tutela demonstra “dúvidas quanto à disponibilidade dos recursos financeiros necessários” para a manutenção das condições de funcionamento do curso, atendendo a que as receitas das instituições privadas provêm quase exclusivamente das propinas pagas pelos estudantes. O Governo pretende também avaliar se o corpo docente destas instituições mantém “a qualificação adequada” que lhes permitiu ter a autorização de funcionamento de cada curso.
O despacho governamental está a “criar desagrado” junto das instituições particulares, afirma o presidente da Associação Portuguesa de Ensino Superior Privado (APESP). João Redondo considera que os processos de aferição, como o que agora é determinado pela tutela, são “normais”. Mas o dirigente lembra que nenhuma da informação que agora é exigida é desconhecida pelo MEC. “Todos os anos são enviados relatórios com estes dados aos vários organismos dependentes do ministério”, assegura.
Redondo acusa, por isso, o secretário de Estado do Ensino Superior de “desconhecimento” sobre a forma de funcionamento do sector e critica-o por estar a criar um clima de “desconfiança” e “alarme público” em torno das instituições de ensino superior privadas que não tem justificação. “Está a colocar todas as 80 instituições privadas no mesmo saco, por causa da desconfiança que pode ter em relação a três ou quatro”, defende.
Em quebra desde o final do século
O presidente da APESP não esconde que há universidades privadas a passar “por maiores dificuldades” face à quebra da procura. O ensino superior privado tem perdido alunos desde o final da década de 1990. Só no ano lectivo de 2012/2013, os dados divulgados pelas universidades particulares apontavam para uma quebra de 8% no número de alunos inscritos, num total de cerca de 5000.
No início deste ano lectivo, a recuperação do ensino superior público também contagiou as universidades privadas, que têm um dos mais altos níveis de procura dos últimos anos. O crescimento no número de candidaturas é transversal a todo o sector particular e chega aos 30% em algumas instituições.
A APESP não tem números definitivos relativamente à procura nos cursos das várias universidades que representa. Atendendo aos contactos que já foram feitos pela DGES junto das instituições privadas nas últimas semanas, pelo menos uma dezena de instituições cumprem os critérios definidos pelo MEC no despacho de Setembro e vão ter de comprovar que mantêm as condições de funcionamento.
Como o MEC sublinha na nota enviada ao PÚBLICO, o que é tido em conta é o total dos alunos inscritos no estabelecimento de ensino em licenciaturas e não o número de alunos inscritos em cada curso. O levantamento pedido exige à DGES uma identificação dos estabelecimentos de ensino superior privados que apresentam “uma procura total manifestamente reduzida”.
São definidos quatro critérios para avaliar a procura dos cursos, tendo como referência os três últimos anos lectivos: diminuição do total de inscritos superior a 50%; diminuição do número de inscritos no primeiro ano superior a 50%; média do total de inscritos inferior a 100 ou média de inscritos no primeiro ano pela primeira vez inferior a dez.
O simples facto de uma instituição ter sido identificada como tendo uma redução significativa de alunos não significa necessariamente que irá perder o reconhecimento de interesse público. Quando a DGES identifica cursos nestas circunstâncias, solicita às instituições privadas várias informações. O objectivo é verificar vários pontos, como a sustentabilidade financeira, a existência de garantias patrimoniais, a qualificação e a composição e vínculo contratual do respectivo corpo docente. Nos últimos dias, várias instituições privadas têm recebido cartas da direcção-geral, pedindo o envio de informação financeira e quadros de pessoal no prazo máximo de dez dias.
Públicas também vão prestar contas
O despacho do secretário de Estado do Ensino Superior foi a primeira peça de uma arquitectura mais complexa de reanálise das condições de funcionamento dos cursos com pouca procura, uma vez que a IGEC e A3ES foram também envolvidas no processo que pode levar ao encerramento das formações.
“A situação dos privados é a mais complicada, porque, sem alunos, não há receitas e, sem receitas, precisamos de saber como pagam aos professor e se os contratam a tempo inteiro”, explica o presidente da A3ES, Alberto Amaral. Mas a resolução “também vai envolver as instituições públicas”, informa.
A agência vai, por isso, começar este processo “no início do ano”. Sempre que encontrar um curso sem alunos nos últimos dois ou três anos lectivos, será contactada a instituição que pode demonstrar a intenção de encerrar de imediato o curso, ou então será feita uma “verificação” das condições que levaram à acreditação de funcionamento de cada uma das formações.
Ao contrário da determinação do despacho do secretário de Estado, esta resolução aplica-se também ao sector público – onde neste ano houve quase 30 cursos sem nenhum aluno inscrito no primeiro ano. As instituições públicas foram ainda apanhadas de surpresa com a determinação de que qualquer curso que não funcione num determinado ano lectivo terá que passar por um novo processo de acreditação pela A3ES para voltar a funcionar.
Esta alteração tem implicação sobretudo em mestrados que, apesar de terem autorização para funcionar, as universidades e politécnicos optavam por não os abrir em alguns anos, quando a procura era escassa para justificar o seu funcionamento. Com as novas regras, sempre que o fizerem, terão que iniciar um novo processo de reconhecimento pela agência, o que implica custos para as instituições de ensino superior. Contactados pelo PÚBLICO, os presidentes do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos não quiseram comentar esta situação.