Comissão Europeia acusa Portugal de inacção no caso Banif

Numa resposta por escrito aos deputados, Bruxelas distribui responsabilidades pelo Governo anterior, o BdP e a gestão do banco e diz que este caso “contrastou fortemente” com a de outros bancos portugueses. Mário Centeno foi o último a ser ouvido na comissão de inquérito. E houve “farsa”.

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“Desde que a aprovação temporária da ajuda do Estado foi aprovada em Janeiro de 2013, a Comissão instou repetidamente Portugal a agir no caso Banif.” Esta é uma das várias críticas que se podem ler numa extensa resposta, de 59 páginas, que a Comissão Europeia enviou esta terça-feira aos deputados da Comissão de Inquérito ao Banif.

“A Comissão foi muito clara em cada momento sobre as diferentes versões das propostas de planos de reestruturação enviados pelas autoridades portuguesas, e que não permitiriam o regresso da viabilidade ao Banif. As diferentes versões tinham em comum, entre outras coisas, dados de muito fraca qualidade, projecções de rentabilidade irrealistas e sem fundamento”, prossegue a resposta, num tom muito crítico, embora em linha com o que já se sabia da tensa relação que Lisboa e Bruxelas mantiveram, sobre o Banif, ao longo de quase quatro anos.

E esse longo período também serve para um remoque da Comissão, que garante ter “aprovado planos de reestruturação em Portugal que foram implementados (por exemplo no BCP e no BPI)”. “As decisões, nesses casos, foram tomadas em menos de 18 meses após o início das discussões. Isso contrasta fortemente com a duração das discussões sobre o Banif que se estenderam por mais de três anos”, compara a Comissão Europeia.

Foi apoiado nesta versão dos factos, contada por Bruxelas, que Mário Centeno regressou à sala 1, onde decorre o inquérito parlamentar ao fecho do Banif. Pela terceira, e última, vez. É que o ministro das Finanças é a última personalidade a ser ouvida pelos deputados, que agora se preparam para debater o relatório, que apresentará as conclusões, e será escrito por Eurico Brilhante Dias, do PS.

Não houve grande diferença entre o que o ministro disse, esta terça-feira, e o que aqui tinha dito nas duas vindas anteriores (a 7 e 19 de Abril). Aliás, o tom desta audição não era o de uma última, mas talvez o de uma primeira.

O ministro voltou a acusar o Governo anterior, e sobretudo Maria Luís Albuquerque, por não ter agido a tempo para minimizar os custos que o Banif veio a ter para os contribuintes. Centeno disse mesmo que antevia na sua antecessora uma “pesada consciência”. E logo começou o burburinho.

Nas respostas a Mariana Mortágua, BE, o ministro recordou as reuniões que teve com Maria Luís Albuquerque, antes e imediatamente depois de tomar posse. E garantiu que lhe foi transmitido que “havia uma urgência significativa” em resolver o problema do Banif. E aí o governante socorreu-se do teor das declarações oficiais de Bruxelas que chegaram aos deputados: “É reconhecido pela Comissão que este é um processo anormal.” Foi ainda nesta ronda inicial que o ministro ensaiou, também a sua desculpabilização, que se resume numa ideia: como poderia em pouco mais de um mês, até à entrada em vigor da nova legislação sobre resolução que penaliza depositantes, resolver o que não se resolveu nos anos anteriores? Centeno repetiu esta ideia, também a propósito da venda do banco: “Devia esperar que aquilo que não aconteceu em três anos acontecesse em três meses?” O ministro tira uma conclusão. Foi “o arrastar de tudo isto” que “levou a que este fosse, infelizmente, o resultado”. “Infelizmente”, garante Centeno, porque não foi barato…

Miguel Tiago, PCP, elogiou a “clareza superior ao habitual” da resposta da Comissão e concluiu, pelo que leu, que “o anterior Governo foi no mínimo negligente”. Mas como o deputado, antes, tinha pedido que o documento (em inglês no original) fosse traduzido, ouviu-se um comentário irónico do outro lado da mesa. Carlos Abreu Amorim, PSD, disse que a conclusão do deputado comunista se devia a uma interpretação errada do inglês. Miguel Tiago respondeu, com aspereza: “Jamais considerarei as suas opiniões políticas por o julgar mais ou menos letrado.”

Mas o deputado do PCP procurou questionar o ministro sobre o presente, pedindo-lhe que deixasse de parte “as alusões ao passado”. E que desse garantias de que os créditos que os Estado assumiu do Banif não sejam, agora, “comprados com desconto pelos devedores”.

João Almeida, CDS, também se referiu a essa situação, citando outro ponto da resposta da Comissão: “Há seis meses que o Estado devia ter nomeado uma entidade para fiscalizar a Oitante [veículo que gere créditos do Banif que não transitaram para o Santander] e ainda não o fez.”

A linha de argumentação do PSD foi outra. Incoerência: O ministro chegou a elogiar o que agora critica ao Governo anterior. Para isso, Carlos Abreu Amorim recorreu a um documento em que Centeno argumenta que foram tomadas “medidas significativas de reestruturação”. O ministro pediu para ler o documento. Pausa. Debate semântico sobre a definição de “significativas”. Comparação do deputado do PSD: “O senhor ministro parece Clinton a justificar-se sobre Monica Lewinsky com as questões técnicas de linguagem.” As comparações vieram para ficar, com Abreu Amorim a dizer que o ministro foi a Bruxelas negociar como “uma barata tonta”. E que a sua estratégia de venda do banco era “uma farsa”. Ou melhor, “uma representação histriónica em que se simula fazer uma venda quando a solução antagónica já foi decidida.”

Centeno não gostou. “Não foi nenhuma farsa. Acho de mau gosto usar essa expressão (…) Vamos lá acabar com a farsa.” Mas o deputado do PSD tinha um final épico. Afinal, aquele documento dos elogios, pode ter sido, ou pelo menos essa “é a forte convicção” do PSD, a origem da célebre notícia da TVI sobre o possível fecho do Banif. O ministro não se mostrou convencido. Ainda houve pontos de ordem, interpelações, murros na mesa e “valha-me Deus”. Mas a audição acabou de vez.

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