Um Orçamento amigo dos cães e dos gatos
O PSD teve uma atitude birrenta e inútil na discussão do Orçamento. Pura intriga orçamental.
O Orçamento do Estado para 2016 foi finalmente aprovado com os votos de uma aliança inédita à esquerda – genialmente apelidada por Vasco Pulido Valente de "geringonça" – e que entra em vigor a 1 de Abril, dia das mentiras. Parece mentira, diz a esquerda. É mentira, diz a direita. O PSD partiu para este Orçamento do Estado com uma atitude birrenta e bastante inútil para os 1.979.132 de portugueses que votaram na coligação Portugal à Frente (Paf). Em vez do “Portugal” à frente, os sociais-democratas resolveram colocar o “partido” à frente de Portugal. A sigla é a mesma. Passos Coelho amuou por não ter conseguido formar governo e teve razões para amuar. Mas já passaram mais de cinco meses desde as eleições, o país seguiu em frente e o PSD continua a andar em contramão, rumo ao passado.
Carlos César, que no debate do Orçamento resolveu apelidar a coligação de direita de “caranguejola”, tem razão quando diz que o PSD “ficou à porta da democracia”, numa atitude cínica de ficar à espera que o actual Governo caia de podre e seja refém das suas próprias contradições. Passos estabeleceu como regra para a discussão do Orçamento o chumbo a todas as propostas, independentemente do valor de cada uma, e abster-se nas propostas de alterações, independentemente do que fossem. Com o chumbo, o PSD quis apenas fazer um statement político, transformando a discussão do Orçamento num mero instrumento ao serviço do partido. Com a abstenção nas alterações teve uma atitude cínica de obrigar o PS a ficar com o ónus de chumbar sozinho as propostas de alterações feitas pelo PCP e Bloco para tentar provocar desavenças à esquerda. É o que se chama "intriga orçamental".
Esta regra cega conduziu a situações de total incoerência, com o PSD a votar contra propostas iguais àquelas que constavam do Orçamento do ano passado, ou a abster-se em propostas que foram feitas por deputados do seu próprio partido, eleitos pelo círculo eleitoral da Madeira, que só as conseguiram viabilizar graças aos votos da esquerda e do CDS. Os centristas, que já perceberam que o seu antigo parceiro de coligação ficou parado no tempo, tentam sacudir o PSD e tiveram uma atitude bastante mais construtiva e útil, votando contra as medidas de que discordavam, abstendo-se nas que lhes eram indiferentes e votando a favor daquilo com que concordavam.
Não deixa de ser curioso todo o tipo de combinações de votos que o novo quadro político nacional trouxe. Na discussão na especialidade, chegámos a ter o CDS e o PCP a votarem favoravelmente uma proposta do Bloco, com o PSD a abster-se e com o PS a votar contra os seus apoiantes na governação. Uma situação quase inédita que reflecte os novos equilíbrios e desequilíbrios do Parlamento e que levou a social-democrata Teresa Leal Coelho, presidente da Comissão Parlamentar de Orçamento, a ter o seguinte desabafo huxleyano: "Isto é mesmo um mundo novo."
Neste admirável mundo novo, o Orçamento passou com os votos da esquerda, mas o documento continua preso por arames. Continua a ser altamente preocupante que a esquerda só se entenda para as medidas simpáticas que fazem aumentar a despesa ou fazem baixar a receita. Numa entrevista há um mês à agência Lusa, antes de começar a discussão do documento na especialidade, o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, avisava: “Todas as alterações que possam ser pensadas ou negociadas terão de obedecer à regra principal: de neutralidade do ponto de vista orçamental.”
Confesso que de todas as quase 150 medidas de alterações que foram feitas ao Orçamento nos últimos 30 dias não me ocorre nem uma que tenha feito aumentar a receita ou baixado a despesa. Entretanto foram aumentadas as deduções fiscais, foram criadas prestações sociais que não existiam, as que existiam foram aumentadas, baixou-se o IMI, as propinas para ricos e pobres foram congeladas, serão distribuídos manuais escolares no 1.º ano para ricos e pobres e até as despesas no veterinário com os animais vão fazer baixar o nosso IRS. Um Orçamento amigo dos cães e dos gatos, diz a esquerda. Um Orçamento amigo da onça, diz a direita. Mas afinal onde é que está a neutralidade das alterações? Se no final não houver dinheiro para pagar tudo, o Governo terá com certeza um plano B. O que preocupa é que até agora a única medida que conhecemos do tal plano B, e que faz realmente aumentar a receita, é uma que foi avançada pelo ministro da Economia, Caldeira Cabral: a de montar um posto de vigia na fronteira e ir pedindo aos condutores que vão atestar o carro às bombas espanholas que por favor não o façam. Se insistirem, põem-se os cães amigos a guardarem a fronteira para evitar a transferência de receitas fiscais para Espanha.